Quem tem medo de Denise Stoklos?
Sergio Dantas
Eu tenho medo e assumo. Temo seus cabelos semi-pintados e seu olhar inquieto. Temo seus músculos sempre retesados e seus gestos conflitantes.
Assusta-me aquilo que ela anda fazendo sutilmente em minhas convicções frágeis.
Receio a subversão e dúvida que são plantadas em minha alma. Sorrateira que é, aparece de vez em vez mas sempre causa estragos e pequenas demolições.
A cada encontro disfarçado de evento teatral vejo degenerar a identidade que construí como forma de proteção e sobrevivência. Lançadas ao fogo são minhas esperanças de manter-me equilibrado e certo do porvir.
Quando ela surge como Mary Stuart, apela o senso de liberdade e de persistência que sempre evitei para ter paz. Quando, de uma mediunidade não-autorizada, ela ressuscita no palco as terríveis vozes dissonantes que anti-construíram o Brasil tal qual é hoje, arde em meu peito o insano desejo de molestar a ordem vigente. Meu espírito transborda de revoltas e impropérios contra a injustiça e minha monotonia paralisante.
Mas é do seu calendário que mais tenho medo. Abrem-se as cortinas e finalmente enxergamos como são feitos os dias comuns, paradoxalmente marcados na pedra que é eterna. Meu ser medíocre é esbofeteado e desperta-me a fome da transcendência, de sentido e de poesia. Ela dança no palco como se fosse qualquer um, qualquer personagem que somos todos nós e escancara a verdade de que ninguém precisa mais do que não precisa mesmo!
Encena essa tragédia cotidiana com gestos cômicos e revela que os dias e anos passam escondidos de olhos distraídos para significados e afetos. Dita que transformar-se é a única coisa que realmente carecemos.
Pois como a pedra só pode transmutar-se em ouro após um processo alquímico, um homem só será eterno se encontrar sua jornada rumo aos lugares que mais lhe causam temor.
Assim, essa artista medonha e essencial, superlativa e incerta vai comendo meus dias comuns e injetando em meu corpo o câncer que só terá cura com esperança e resistência contra as forças que nos lançam no solo.
Eis meus temores e angústias, sempre ressaltadas e reveladas após o terceiro sinal. Eis-me condenado eternamente a temer e admirar a Denise e o impacto de sua revelia santa em meu próprio calendário da pedra.
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