"Não se pode olvidar o fato de as investigações mostrarem ser o paciente [Cachoeira] o líder de uma organização criminosa com complexas relações ilícitas, que envolvem autoridades de grande influência em Poderes da República, o que justifica a manutenção da prisão para a garantia da ordem pública".
Desembargador Sergio Bittencourt, TJDFT
A última estarrecedora novidade no circo de horrores em que se transformou o caso Cachoeira é a decisão do juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima, responsável por processos criminais que resultaram da Operação Monte Carlo, de solicitar afastamento do caso à Corregedoria-Geral do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1), sob a alegação de que ele próprio e sua família têm sofrido ameaças de morte, presumivelmente por parte de policiais envolvidos no escândalo. A medida do impacto negativo dessa decisão pode ser avaliada pela manifestação do presidente do STF, ministro Ayres Britto: "É um caso de gravidade incomum". A pergunta que cabe: o aparato governamental não tem condições de garantir segurança a seus agentes, para que possam se dedicar incólumes ao pleno exercício de suas funções?
No pedido de afastamento, documento a que o Estado teve acesso, o magistrado goiano afirma encontrar-se em "situação de extrema exposição junto à criminalidade do Estado de Goiás" e explica que, apesar de se submeter a um rígido esquema de segurança recomendado pela Polícia Federal (PF), as ameaças que recebe são constantes: "Minha família, em sua própria residência, foi procurada por policiais que gostariam de conversar a respeito do processo atinente à Operação Monte Carlo, em nítida ameaça velada, visto que mostraram que sabem quem são meus familiares e onde moram".
De acordo com o juiz, "pelo que se tem de informação, até o presente momento, há crimes de homicídio provavelmente praticados a mando por réus do processo pertinente à Operação Monte Carlo, o que reforça a periculosidade da quadrilha". É compreensível, embora lamentável, portanto, a decisão do magistrado de, para proteger a família e a si próprio, abandonar o caso e, ainda por medida de precaução, passar um tempo no exterior.
A Operação Monte Carlo, deflagrada em fevereiro do ano passado pela Polícia Federal para investigar a atuação de organizações criminosas envolvidas na exploração do jogo em Goiás e no Distrito Federal, resultou em duas ações penais na Justiça Federal em Goiás, sob a responsabilidade do juiz Moreira Lima, e também em processos que correm no STF, envolvendo réus com foro privilegiado. No âmbito do TRF1 o processo foi desmembrado por iniciativa de Moreira Lima, para agilizar sua tramitação: um é relativo aos oito réus que estão presos, entre eles Carlinhos Cachoeira. No outro estão os 73 réus que estão soltos, entre eles 35 policiais civis, militares e federais. A pergunta inevitável: não seria uma cautela elementar manter presos também os réus que são policiais?
Essa seria a melhor decisão, se também nesse caso prevalecesse o argumento do desembargador Sergio Bittencourt, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que na semana passada rejeitou o habeas corpus impetrado pela revogação da prisão de Cachoeira. Afirma o magistrado em seu despacho: "Não se pode olvidar o fato de as investigações mostrarem ser o paciente o líder de uma organização criminosa com complexas relações ilícitas, que envolvem autoridades de grande influência em Poderes da República, o que justifica a manutenção da prisão para a garantia da ordem pública". Ora, se Cachoeira deve continuar preso para que não exerça sua influência perniciosa, no caso, sobre "os Poderes de República", o mesmo deveria valer para os policiais suspeitos que ameaçam a integridade física de quem deve julgá-los.
De qualquer modo, a Justiça, por decisão da 3.ª Turma do TRF1, deu outra boa notícia ao rejeitar o argumento da defesa do contraventor, de que seriam ilegais as escutas telefônicas com base nas quais a PF desenvolveu a Operação Monte Carlo. A justificativa apresentada era de que o inquérito é ilegal porque baseado em denúncias anônimas. O relator, juiz federal Tourinho Neto, havia acolhido esse argumento, que não foi aceito pelos dois outros magistrados da 3.ª Turma. Tourinho Neto, aliás, é o mesmo juiz que, na semana passada, havia mandado libertar Cachoeira. Isso só não aconteceu porque o contraventor tem o rabo preso em mais de um processo.
O Estado de S. Paulo/Opinião
*
Nenhum comentário:
Postar um comentário