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domingo, 13 de maio de 2012

Juiz em cárcere privado

A Banda Boa do Judiciário. 

A que cumpre com suas obrigações constitucionais. A que não se acumplicia com a bandidagem.

Entrevista com o juiz mais protegido e mais ameaçado do Brasil: Odilon de Oliveira. Ele fala de corrupção e crime organizado, entre outros assuntos.

CORRUPÇÃO GERA DESCRENÇA POPULAR

Entrevista para o jornal O Progresso, de Dourados-MS.


O PROGRESSO - Até que ponto a corrupção pode levar a pessoa a cometer outros crimes?

Odilon de Oliveira: Existem dois tipos de corrupção: a ativa, que é praticada pelo particular que dá dinheiro ao servidor público, para obter uma vantagem, e a passiva, caracterizada pela conduta do funcionário que recebe a propina. O servidor recebe para fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Logo, além da corrupção, o funcionário comete outros crimes. A prevaricação é o delito que mais está associado à corrupção. É caracterizada quando o servidor deixa de praticar ou retarda ato que constitui dever funcional. O policial que recebe propina para deixar passar uma carga de contrabando comete o crime de facilitação de contrabando ou descaminho. A falsidade ideológica e a documental são outros delitos comumente relacionados à corrupção passiva. Revelação de sigilo funcional frequentemente está vinculada a corrupção. O policial ou servidor que revela, por exemplo, que o telefone de alguém está sendo monitorado, comete esse crime.

Quais os principais efeitos da corrupção?

R: No Brasil, existem três níveis de corrupção: federal, estadual e municipal. A globalização da economia fez nascer outro tipo de corrupção: a internacional. Existem tratados, subscritos também pelo Brasil, combatendo essa modalidade. No Brasil, só a corrupção federal corresponde a R$ 41 bilhões por ano, quantia equivalente ao orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS). A corrupção atrapalha o desenvolvimento nacional, agrava a pobreza, aumenta as desigualdades sociais, prejudica a imagem externa do Brasil, afasta investimentos estrangeiros e gera descrença popular. Os R$ 41 bilhões da corrupção federal dariam para construir, todo ano, 20 mil postos de saúde. O Brasil convive, hoje, com 18 mil postos de saúde, tocando para cada unidade 10 mil habitantes. Se eliminada essa corrupção federal, já no primeiro ano a quantidade de postos iria para 38 mil.

Da corrupção ao tráfico de drogas existe muita distância?

R: A corrupção está associada ao tráfico de drogas quando o servidor, normalmente policial ou gente ligada a fiscalização, recebe dinheiro ou vantagem para facilitar o próprio tráfico.

O crime organizado utiliza empresas de fachada e outras legalmente constituídas para lavar dinheiro. Isso dificulta a ação da Polícia e da Justiça?

R: Existe uma quantidade infinita de expedientes empregados para a lavagem de dinheiro. A empresa de fachada é um desses mecanismos. Existe de fato e de direito, regularmente, mas é empregada para lavar dinheiro procedente da criminalidade. Normalmente, ela desempenha atividades legais também, mas contabiliza, no mesmo caixa, o dinheiro sujo. A empresa rural que cultiva dez hectares de soja pode emitir notas correspondentes ao que produziriam mil hectares. Aí entra o dinheiro sujo, que, após a suposta venda do produto, passa a ter origem na comercialização desses grãos. Há uma mescla de atividades lícitas com ilícitas. Emprega-se também a empresa fictícia, que existe no papel, regularmente registrada, mas não desempenha atividade legal. Foi constituída apenas para transformar dinheiro sujo em limpo.

Em Dourados, tivemos um caso clássico de uma pessoa que teve a coragem de delatar todo um esquema de corrupção. As autoridades têm hoje condições legais de garantir a vida de outras pessoas que se dispuserem a fazer a mesma coisa?

R: Existe o serviço de proteção a testemunhas e réus colaboradores, mas é um programa ainda em miniatura. Dura até dois anos. Enquanto o sujeito fica no programa, tem ele relativa segurança, mas, quando sair, poderá sofrer represália. Tenho exemplos disto. O crime organizado não perdoa. Por outro lado, o sujeito fica confinado, isolado, vegetando, separado da família. O correto seria o Brasil estabelecer intercâmbio com outros países para troca de protegidos, com garantia de emprego e de convivência familiar. A legislação brasileira, conforme a gravidade do caso, permite, com autorização judicial, a mudança de identidade. Todavia, o rosto continua sendo o mesmo.

E essa garantia é estendida às famílias?

R: Se estiverem sendo ameaçados, os filhos, os cônjuges e até os ascendentes podem ser incluídos no serviço de proteção.

Para o senhor, os organismos policiais estão suficientemente equipados para combater o crime organizado?

R: Não estão. A segurança pública, no Brasil, precisa ser repensada. Faz prova disto também o fato de, de 2000 a 2009, a população carcerária haver crescido mais de 100% e a população brasileira apenas 12%. No ano de 2000, o Brasil possuía 233 mil presos, pulando esse número, em 2009, para 473 mil. Isto corresponde a 1 preso por 730 habitantes em 2000 e a 1 para 412 habitantes em 2009.

Hoje no Brasil existe uma realidade das prisões dos chamados “crimes do colarinho branco”, mas ao mesmo tempo o fato dos presos serem rapidamente libertos cria no cidadão uma sensação de impunidade. Qual sua opinião?

R: 90% dos 473 mil presos do Brasil são “pés-de-chinelo”, ou seja, provenientes da classe baixa. Quase todo o restante tem origem na classe média. São pouquíssimos os de colarinho branco. Os grandes, endinheirados ou socialmente bem colocados, dificilmente vão para a cadeia. Os fatores são vários, desde a oportunidade para terem uma melhor defesa. O sistema penal brasileiro é próprio para proteger os graúdos.

Na grande maioria das vezes somente a Polícia Federal atua nestes tipos de crime, o senhor acha que esta atribuição poderia ser estendida às polícias estaduais?

R: As polícias estaduais também possuem competência para investigações de organizações criminosas, desde que não envolva interesse federal. Ocorre que, na esfera federal, normalmente as organizações criminosas são maiores e mais estruturadas, com um potencial de dano muito grande. Acontece também que a Polícia Federal, quando há suspeitas de envolvimento de autoridades municipais ou estaduais, é chamada para as investigações. O crime de colarinho branco, especificamente consistente em delitos financeiros, é de competência da Polícia Federal.

Ultimamente a Polícia Federal tem se valido da Justiça comum para atuar nos crimes de corrupção. Este fator tem contribuído nestas ações?

R: Isto ocorre quando não se trata de crime federal, hipótese em que a competência para o processo e julgamento é da Justiça estadual. Um exemplo típico é o que está a ocorrer em Dourados. Existem situações cuja complexidade e circunstâncias recomendam que as investigações sejam transferidas para a Polícia Federal, também porque tem ela melhor estrutura e se coloca numa distância maior em relação a autoridades municipais e estaduais eventualmente investigadas.

Existe algum problema jurídico a ser usado futuramente em benefício dos réus?

R: Nenhum problema. As Polícias não possuem competência, mas apenas atribuição. O inquérito policial apenas documenta fatos. O que não pode é um crime estadual ser julgado pela Justiça Federal ou vice-versa.

O sequestro de bens continua sendo um dos principais instrumentos da Justiça para combater organizações criminosas?

R: Para combater organizações criminosas, sim. É fundamental que o crime organizado seja descapitalizado. Não adianta muito prender a organização criminosa e deixá-la com o seu patrimônio, que, na verdade, compõe sua estrutura.

E os bens constituídos através dos chamados “laranjas”: tem havido dificuldade em prová-los?

R: O emprego de “laranjas” tem sido uma prática comum no mundo inteiro. Para lavar dinheiro, o crime organizado se vale desse expediente. Abre, por exemplo, uma empresa de fachada ou fictícia em nome de um laranja, geralmente pessoa sem poder aquisitivo. Os bens adquiridos pela organização são postos em nome de “laranjas”. Isto dificulta muito as investigações porque, além de ter que descobrir o “laranja”, a Polícia tem que provar o vínculo entre ele e a organização criminosa.

Qual o comportamento que a sociedade deve adotar na vigilância dos políticos em geral?

R: Deve acompanhar sua atuação durante o mandato. Existem a Internet e outros meios. Deve cobrar as promessas feitas em campanha e nunca votar em falsos profetas. A Justiça, todavia, tem que fazer sua parte aplicando, com rigor, a lei que impede candidaturas de ficha suja.

Com o aumento da repressão aos crimes de corrupção vão ocorrendo as mudanças de táticas. O senhor pode citar algumas delas?

R: Não só em relação à corrupção. Ao mesmo tempo em que o Estado repressor vai apertando o cerco, a criminalidade organizada vai produzindo mutações em seu modus operandi. Um exemplo claro está na lei do abate de aviões. Antes, a rota aérea do narcotráfico, partindo da Colômbia, cobria o território nacional. Depois dessa lei, os aviões transportadores saem da Colômbia, cobrem uma parte do Peru, passam pela Bolívia e aterrissam no Paraguai, de onde a cocaína é escoada em veículos.

O senhor é conhecido nacionalmente por atuar de maneira firme contra o crime organizado. Qual o custo desta postura ao longo de sua vida?

R: O custo consiste em maior cuidado com a vida. Isto, logicamente, afeta o direito de ir e vir livremente. Isto acontece sobretudo porque o Brasil não dá uma resposta adequada à criminalidade. A fraqueza da lei e a postura permissiva de muitos de seus aplicadores levam à impunidade e esta passa a refletir contra aqueles que teimam em combater, com rigor, essa criminalidade. Muita coisa tem que mudar.

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