Depois da vitória apertada, sofrida, da última quinta-feira, que comemoramos com entusiasmo aqui no Abra a Boca, Cidadão!, esta semana tem mais. O Supremo Tribunal Federal ainda deve se pronunciar sobre alguns pontos a propósito do Conselho Nacional de Justiça, e o fará na quarta-feira, 8.
Em vários posts vimos fazendo referência aqui a uma Primavera Judiciária que o Brasil vive. Tem gente que não acredita, outros fazem pouco das palavras da cidadã-blogueira. Paciência. Continuamos no mesmo passo: caminho sem volta.
A declaração explosiva e intempestiva da ousada e midiática ministra-corregedora Eliana Calmon, em setembro último, anunciando e denunciando ao País a infiltração de "Bandidos de Toga" no Judiciário, foi o estopim de uma Revolução no Mais Vetusto dos Poderes da República.
Agora, ou abre ou abre. Não há outra alternativa.
Bandidos e Bandidas de Toga: tremei! A intrépida Eliana Calmon trouxe também ao Povo Brasileiro, além de informações sobre as entranhas putrefatas do Judiciário, coragem e auto-estima. Os que insistirem em suas práticas corruptas e criminosas podem se arrepender amargamente.
Começou a cair a Ditadura do Judiciário. E o melhor de tudo: sem precisar de um tiro, de um cadáver sequer... Apenas da altivez e bravura de uma mulher, mais uma, revolucionária.
O STF sobre o CNJ: a discreta revolução
A decisão do Supremo é mais um episódio deste movimento histórico, que tem enfrentado e, graças a Deus, vencido a reação enfurecida dos interesses externos e dos opressores nacionais. Não podemos perder essa vitória, aparentemente menor, mas essencial.
Mauro Santayana*
Embora tenha sido apertada, a decisão de ontem [quinta, 2] do Supremo Tribunal Federal, confirmando a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça, de atuar ex-officio, como claramente lembrou o ministro Joaquim Barbosa, inicia uma discreta, mas profunda, revolução no sistema judiciário brasileiro.
Todos os poderes do Estado devem estar submetidos ao rigor da ética, mas a ausência dessa atitude no poder judiciário é mais danosa. As sociedades se submetem à Justiça. A ela cabe dizer o que é certo e o que é errado, embora não se encontre ungida pelo mandato do Absoluto. A justiça se exerce, como se exercem todas as atividades humanas, na busca de uma verdade provável entre as dúvidas.
Mas o fundamento da justiça, para lembrar a definição admirável de Cícero, é a boa fé nos contratos. Em todos os contratos, e mais ainda no pacto entre o magistrado e as sociedades nacionais a que serve. Esse compromisso dos juízes lhes exige ter as mãos e as mentes sempre limpas, e servir com absoluta independência e lisura, conforme o seu saber e a sua consciência. Tal contrato com a sociedade não lhes é imposto, porque a magistratura não se forma de maneira compulsória, mas assumida voluntariamente por todos aqueles que decidem ingressar nos corpos judiciais.
Os juízes podem errar, e erram frequentemente, mas não podem faltar à boa fé em suas decisões. De certa forma, todos nós somos juízes, e atuamos em nossas relações sociais examinando o comportamento de nossos eventuais parceiros nos negócios, na ação política, na amizade e no amor. Toda escolha, até mesmo dos sapatos a cada manhã, é um ato de juízo - e não é por acaso que a expressão juízo signifique uma escolha reta. O sistema judiciário, criado e mantido pelos estados nacionais, é a suprema expressão dessa faculdade humana. Os juízes, valha o truísmo, devem orientar-se também pelas leis da lógica, e estabelecer suas sentenças de forma a que possam ser cumpridas – e, assim, impedir einer Grossen Konfusion, a que fez referência, bem humorada – o que nele é raro – o Ministro Gilmar Mendes.
A nossa justiça, de modo geral, tem sido uma justiça de classe. Desde suas origens medievais, em nossa formação ibérica, foi uma justiça de senhores contra os servos, dos santos contra os pecadores, dos reis contra os vassalos e, nos tempos modernos, dos patrões contra os empregados, dos ricos contra os pobres. Os juízes dependiam, e ainda dependem, de um juízo além de si mesmos, o dos grupos que formam e comandam os Estados - e legislam.
O Zeitgeist é também uma construção do poder. A decisão de ontem [quinta] se conforma ao novo desenho do poder nacional. Aceitem os excelsos pensadores acadêmicos, que refletem o interesse das elites oligárquicas, a verdade de que, mal ou bem, com as infecções morais aqui e ali, o povo brasileiro está construindo nova sociedade nacional. A partir da Revolução de 30, com avanços e retrocessos, a mobilidade social tem sido impetuosa em nosso país. Os ricos, que sempre dispuseram de tudo, a partir do fácil acesso ao ensino, não podem saber o que sentimos, os que viemos do chão do povo, ao ver uma ex-favelada, Graça Foster, assumir o comando da mais importante empresa nacional. É como se, de repente, nos devolvessem tudo o que nos negaram, da bicicleta de criança a um emprego decente – sempre reservados aos outros, quase que por direito divino.
A eleição do retirante Lula, a decisão nacional de eleger Dilma, uma mulher que se rebelou, na juventude, contra a injustiça social, e a ascensão das mulheres a todos os poderes republicanos, ao quebrar os velhos paradigmas, abriram esse caminho, que não podemos mais abandonar, e isso exige estrita vigilância no comportamento do governo. É oportuno, dentro desse raciocínio, registrar a concisão e a força dos votos das ministras Carmem Lúcia e Rosa Weber na decisão do STF, ontem [quinta]. Se associarmos a democratização do poder à moralização rigorosa da ação administrativa, a conquista será irreversível.
A decisão do Supremo é mais um episódio deste movimento histórico, que tem enfrentado e, graças a Deus, vencido a reação enfurecida dos interesses externos e dos opressores nacionais. Não podemos perder essa vitória, aparentemente menor, mas essencial. Os juízes venais e corruptos sabem que estão sujeitos, de agora em diante, ao poder do CNJ. E, o mais importante: esse poder poderá ser provocado pela simples representação de qualquer cidadão brasileiro, que assim se identificar junto ao Conselho.
* Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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