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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Revolução virtual: vejo, logo existo

A hora da "revolução virtual"
Controle mental: Relaxe, "O Grande Irmão" pensa por nós
  
Manuel Freytas


Tradução: Vera Vassouras*  

Relaxem, aspirem "energia positiva", não se carreguem de "negativismo" com os problemas do mundo (estar bem com o universo significa "estar bem com você mesmo"), não se deprimam com sobrecargas de reflexões cósmicas inúteis, não filosofem pensamentos críticos, atuem no positivo, respirem "boa onda", exercitem a "auto-realização criativa", cultivem o corpo, cultivem os gostos, cultivem a amizade, cultivem a família, cultivem a moda, cultivem "sempre no positivo", sejam amáveis, não rompam a corrente, deixem que as coisas "fluam" naturalmente, sem preconceitos, sem contaminantes, sem ideologias de mudanças preestabelecidas, sejam livres, suprimam conflitos estressantes, e unam-se solidariamente na grande rede planetária do "Grande Irmão". O que pensa (e soluciona) os problemas do mundo por todos nós.


Um dia o indivíduo-massa (feminino-masculino) despertou e disse: Olho a televisão e logo existo.

E outro dia, despertou e disse: Utilizo a Internet e só existo pelas redes sociais.

Sem sabê-lo, tinha ingressado na era do "homo-videns", finalmente projetado (e realizado) através das ondas do ciberespaço estendidas como um grande encadeamento caçador de cérebros.

Seu mundo se converteu em uma tela. Conecto-me pela TV-tela, converto-me em "solitário virtual", e realizo meus sonhos pela Internet-tela. A vida e os projetos sempre começam por um sonho. Assim têm afirmado historicamente os ídolos do cinema de Hollywood. Que surgiram de uma tela.

Fora da tela, o mundo é duvidoso. Está cheio de "teorias conspirativas", de duvidosas hipóteses sobre o "bem e o mal" implícitos na natureza humana. Fora da tela, o mundo está povoado de "política" e de "ideologia", de críticas saturadas de falsas certezas. Quero "ser eu", não um ente manipulado pela política e pelas ideologias. Não há maus nem bons, não há sistema dominante, só estamos nós e nossas circunstâncias.

Melhor a tela (da TV e do computador). Tranquiliza-me, informa-me, conecta-me com um mundo de imagens que "valem mais do que mil palavras", a TV "mostra" a realidade quase sem palavras, e a Internet me permite contá-la, sem intermediários, sem que ninguém me diga o que devo fazer e pensar.

Vivam as redes: Vivam os SMS, vivam os contatos em tempo real, viva a interatividade, viva a comunicação planetária sem limites, viva o Twitter, viva o Facebook, viva eu e minha circunstância, vivamos todos os que transformam o mundo com a tecnologia digital, vivam os que possibilitaram nosso trânsito do mundo velho ao mundo novo. Vivam os que inventaram a tela. Fonte de toda razão e justiça.

E imediatamente chegou o Grande Irmão.

Pergunta: Que faz um adicto da tela tele-informatizada (o mundo fashion do Twitter e do Facebook) em seu tempo livre?  

Resposta: Vota e consome.

Consome produtos, consome roupas, consome espetáculos, consome cultura, consome alienação informatizada, consome "dias da mãe", consome casamentos e divórcios pagos, consome natal, consome idéias "fashion", consome férias guiadas, consome ídolos cômicos convertidos em estereótipos sociais dos jovens, consome individualismo existencial, consome teorias e discursos que ocultam a origem da riqueza e da pobreza, consome informação que oculta a explicação do por que três bilhões de seres humanos vivem na pobreza ou em indigência extrema, consome o espetáculo da riqueza (da minoria) que vive pelos bilhões que não consomem, consome e vota em eleições periódicas com políticos ofertados como um produto em uma prateleira, vota e elege governos títeres dos bancos e transnacionais, que manipulam a economia e o destino da humanidade, consome e vota pesquisas orientadas a preservar a sociedade de consumo e a "governabilidade" do sistema, vota, vota e vive definitivamente segundo os sábios ensinamentos e direções do "Grande Irmão" que lhe fala desde as telas informatizadas do sistema capitalista globalizado.


Ensaio de catástrofe

Sabem o que aconteceria se as maiorias planetárias deixassem de votar e de consumir produtos supérfluos (70% da oferta da sociedade de consumo capitalista) e só consumisse o que fosse essencial para sua sobrevivência?
Como primeiro efeito, as bases do "consumismo" em massa (a pedra angular do funcionamento dos lucros e da economia capitalista a nível planetário) seriam derrubadas e o sistema entraria em colapso pela "superprodução" em escala global desatando uma onda de desemprego e de conflitos sociais em todo o planeta.

Como segundo efeito, se as maiorias deixassem de votar ruiriam as instituições jurídicas e políticas do capitalismo, que ficariam "deslegitimadas", terminariam a "governabilidade" e a "democracia representativa" do sistema capitalista em escala global.

O que aconteceria se a humanidade descobrisse que vive dentro de um "sistema" (econômico, militar, político e social) que controla e dirige o mundo a partir da destruição da capacidade totalizadora do cérebro humano?

O que aconteceria se as maiorias descobrissem que o "individualismo" é uma estratégia de domínio (dividir para reinar) que o sistema implementa para manter as maiorias na ignorância e paralisar as lutas sociais coletivas contra o sistema?

Vejo televisão e logo existo. Quem programa os conteúdos e os valores que difunde a televisão?

Utilizo a Internet e somente existo pelas redes sociais. Quem controla e fixa as regras do jogo das redes sociais?

O que aconteceria se o mundo inteiro descobrisse que sua conduta está manipulada por meio de controle mental orientado a direcionar a conduta coletiva com a ideologia individualista?

E se descobrisse que o ser humano não é nada mais do que uma mercadoria vivente destinada a produzir lucro capitalista às empresas e bancos que depredam o planeta convertido em um lixo apocalíptico que já começa a estalar por todos os lados?

O que aconteceria se se descobrisse que as catástrofes ecológicas não são fenômenos naturais senão fatos emergentes (o aquecimento global) da irracionalidade demencial das empresas transnacionais que controlam os recursos naturais e os sistemas econômicos produtivos sem planejamento, e só orientados aos lucros privados em todo o planeta?

Possivelmente, se descobrissem a estratégia subjacente por detrás da comunicação "individualista", Twitter, Facebook e o resto das redes sociais também sofreriam um Apocalipse. Ao invés de servir ao "individualismo socializado" se converteriam em uma ferramenta incontrolável da consciência social em escala planetária.

É o que teme o "Grande Irmão", o que guia o mundo desde as telas informatizadas a partir de uma ideia de força.

Criticar e pensar o mundo desde uma totalidade científica que lhe dê sentido e explicação é estar fora da realidade. O compromisso com a conscientização e as lutas sociais ativas pela mudança de um mundo injusto por um mais justo é pura "teoria da conspiração". Esqueça: Esse mundo não existe: O mundo só é como você o percebe. O universo é um conjunto de imagens soltas que só adquirem sentido dentro dos limites de tua conduta e de tua personalidade. Por tanto, "Viva a revolução virtual!".

Relaxem, ponham-se acomodados. Não há necessidade de pensar nem de transformar nada em função social, o "Grande Irmão" pensa e transforma tudo por todos nós.

Pelo menos, até que chegue o Apocalipse sem convite.

______

Nota da Tradutora  -  Todos nós que estamos vinculados à verdadeira humanização estamos fartos dos discursos virtuais que, quando tentam solicitar do leitor um minuto de reflexão, tornam-se cansativos e são excluídos com um simples toque numa tecla. O conteúdo virtual da comunicação está a serviço do sistema, seja elogiando-o, seja apresentando, sem necessidade de convite, novas fórmulas para o aperfeiçoamento da escravidão mental. Horas desperdiçadas sem uma resposta efetiva de união dentre aqueles que se fixam nos discursos e não gastam um minuto sequer para planejar formas de extinção do sistema e suas instituições psicóticas. Nenhuma ação para o fomento de estratégias desvinculadas dos modelos seculares de exploração e alienação. Talvez uma perda de tempo? Não existe mais razão lógica para a continuidade dessa luta? Estamos prisioneiros desse universo virtual que nada mais faz senão denunciar os resistentes e aumentar as contradições entre aqueles que se julgam capazes de verdadeiras mudanças? Perdemos a capacidade de pensar com nossas próprias cabeças? Até quando?

* Vera Lúcia Conceição Vassouras é Mestra em Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo (USP), advogada militante, professora universitária, tradutora, escritora, autora do livro O mito da igualdade jurídica no Brasil - notas críticas sobre a igualdade formal.


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