Oriente Médio, Norte da África, capitais europeias, cidades brasileiras...
Alguma coisa significativa acontece longe dos tradicionais, sisudos e fechados espaços que abrigam o poder.
Da Praça Tahir no Cairo de Mubarak à frente do Shopping Higienópolis na São Paulo de Alkmin/Kassab... cidadãos do mundo todo abrem a boca para expressar seu descontentamento com as velhas e apodrecidas estruturas.
Nas mídias sociais e logo em seguida nas manifestações temperadas com ironia, humor, alegria, cordialidade e espírito fraternal, que ganham praças e ruas.
A arrogância aristocrata dá lugar à irreverência pluralista.
Cidadania planetária.
Exercitada na virtualidade. E em espaços abertos de ruas, parques, praças...
A imprensa e o fenômeno mundial das manifestações em praças públicas
Carlos Castilho no Observatório da Imprensa
A imprensa precisa começar a olhar para o outro lado do poder. Não apenas aqui no Brasil, mas em todo o mundo. É que são cada dia mais claros os sinais de que algo está acontecendo fora dos palácios, parlamentos, ministérios, tribunais, sedes partidárias, organizações empresariais e sindicais. Está acontecendo mais precisamente nas praças públicas, locais que voltam a ser o ponto de encontro de multidões, em plena era das relações virtuais via internet.
O caso mais recente foi o da praça Puerta del Sol, em Madri, onde um acampamento de jovens antecipou uma fragorosa derrota do partido socialista espanhol nas eleições de domingo. O PSOE acabou pagando o preço de uma manifestação que era contra todos os partidos, para expressar o cansaço e a desilusão dos jovens em relação a uma estrutura política e econômica da qual eles se consideram párias.
A Puerta del Sol é a reedição mais recente do mesmo fenômeno que transformou a praça Tahir no epicentro da rebelião de jovens egípcios que levou à derrubada do presidente Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011. Três anos antes, outra praça ficou mundialmente famosa por conta de protestos contra a quebra do sistema bancário da pacata república europeia da Islândia.
Em outubro de 2008, um jovem músico pegou o seu violão e foi para a praça em frente ao parlamento islandês, em Reykjavík, num sábado, e convidou os transeuntes para expressar, cantando, seu descontentamento com as consequências da quebra do principal banco do país, o Kaupthing.
No primeiro dia, o número de participantes não passou de 20 curiosos. No sábado seguinte, o teimoso Hördur Torfason já reunia 200 participantes e, três fins de semana mais tarde, já era uma pequena multidão. Aí o caso se tornou nacional, colocando o governo islandês de joelhos diante da gravidade do protesto.
Se recuar mais tempo poderemos chegar aos acontecimentos da praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989, antes da internet. Mas o que nos interessa aqui mostrar é como a era digital está alterando a forma como o descontentamento político surge aos olhos da opinião publica — e como a imprensa tem uma enorme dificuldade em detectá-lo nos seus primeiros estágios.
Em meados da primeira década do seculo 21, quando os jovens do mundo inteiro estavam fascinados pela descoberta do telefone celular como arma política, surgiram os primeiros protestos rotulados de smart mob (multidões inteligentes), pelo pesquisador norte-americano Howard Rheingold.
O caso mais clássico foi o ocorrido nas Filipinas em 2002, quando 900 mil jovens vestidos de preto usaram torpedos por celular para organizar, em menos de 24 horas, uma manifestação na praça em frente ao santuário da Virgem Maria, na área central de Manila. Eles exigiam a derrubada do presidente Joseph Estrada, cujo governo não resistiu a quatro dias de protestos.
Mas o caso mais curioso da nova tendência, mencionado no livro The Virtual Community (Comunidades Virtuais, de Howard Rheingold), ocorreu na Europa Central, numa antiga república socialista onde um grupo de jovens resolveu protestar contra o custo de vida convocando uma manifestação em que eles caminhariam em círculos na praça central da cidade, chupando picolé.
Nenhum cartaz e tudo em silêncio, mas os quase três mil jovens que aderiram ao protesto deixaram perplexas as forças da repressão e provocaram reuniões de emergência das autoridades. A manifestação tornou-se um fato político nacional não pelo seus slogans, mas pela forma. A criatividade dos jovens deixou o governo sem ação porque este esperava tudo, menos o uso do picolé como arma política.
As praças passaram a ser vistas pelos jovens como o ambiente presencial que completa o relacionamento virtual que eles criam entre si por meio das redes sociais como Twitter, Facebook e outros. O protesto é combinado pela internet e aparece fisicamente nas praças, mas eles são apenas o sintoma de algo mais amplo e que precisa ser levado em conta pela imprensa.
Estamos diante do surgimento de um novo tipo de expressão da vontade popular que não passa mais pelos mecanismos tradicionais, sejam eles legais ou à margem da lei. Os jovens espanhóis da Puerta del Sol não eram contra este ou aquele partido, mas contra todos eles. Não estavam interessados em votar e pouco lhes importava o resultado do pleito, já que não esperavam nenhuma mudança significativa no poder. Sua desilusão e desesperança estavam expressas em cartazes cheios de ironia e humor.
Mas estão longe de serem niilistas. Eles conseguiram transformar a antipolítica em sua forma política de expressão. E é isso que os torna protagonistas de um processo político inovador que revela também como a imprensa tornou-se escrava do jogo de poder tradicional.
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