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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Dilma encontra Cristina

Nesta segunda-feira, 31 de janeiro, a presidenta Dilma Rousseff fará sua primeira viagem internacional como Presidenta da República, desembarcando em Buenos Aires por volta das 11 hs.

Dilma encontra a presidenta Cristina Kirchner minutos depois na Casa Rosada, sede do governo, têm uma pequena reunião, e em seguida terá um encontro que promete ser emocionante: se reunirá com as Mães e Avós da Plaza de Mayo, mulheres que perderam filhos, netos e outros parentes mortos ou desaparecidos na época da ditadura argentina.

Em seguida Dilma e Cristina terão uma reunião de trabalho mais longa, no Salão Mujeres, acompanhadas de ministros. Ao final, haverá declarações à imprensa.

O encontro das presidentas brasileira e argentina foi precedido por uma entrevista de Dilma na sexta, 28, aos três mais importantes jornais argentinos: Clarín, La Nación e Página 12, que ontem publicaram matérias sobre a presidenta.

O ABC! selecionou, editou e reproduz abaixo os principais trechos da entrevista, a partir do
Blog do Planalto.


                   
                                 Presidenta Dilma Rousseff é entrevistada por jornalistas argentinos.
                                 Foto: Roberto Stuckert Filho/PR


Parceria Brasil e Argentina

“Eu pretendo ter uma relação extremamente próxima com a presidenta Kirchner. Primeiro, porque o Brasil e a Argentina são os países que têm responsabilidade, perante o conjunto da América Latina, de fazer com que a nossa região seja cada vez uma região com presença e ação no cenário internacional. O Brasil e a Argentina podem fazer isso, e podem fazê-lo de forma mais efetiva quanto mais próximas nossas economias se articulem e se desenvolvam e criem laços em que ambos os povos ganhem com essa aproximação, em matéria de desenvolvimento econômico, de desenvolvimento tecnológico, de melhoria das condições de vida do povo brasileiro e argentino.”


Primeira viagem internacional

“O primeiro país que eu vou visitar é a Argentina porque é o país irmão do Brasil. Não estou diminuindo nenhum outro país, como Uruguai, Paraguai, Colômbia, Venezuela, Peru. Mas eu quero dizer que é algo até que é intuitivo, do ponto de vista político, para os outros países… É de todo importante que o Brasil e a Argentina estejam juntos. É algo extremamente amigável também para os outros países. Não é uma relação de hegemonia que o Brasil e a Argentina estão tendo em relação ao resto da América Latina. Não. É porque temos um tamanho e um desenvolvimento econômico que nós podemos liderar.


Importância da mulher na quebra de preconceito

“Eu acho uma coisa a ser comemorada, porque os dois maiores países aqui, do Cone Sul, estão dando uma demonstração que as suas sociedades evoluíram no sentido de superarem o tradicional preconceito que existia contra a mulher. Veja que são sociedades que têm essa evolução no Sul do mundo. E, para mim, é algo bastante significativo que também aqui nós tenhamos esse exemplo, que foi a eleição de um índio, na Bolívia, e de um metalúrgico antes de mim, aqui no Brasil. Eu acredito que a América Latina está dando um exemplo para o mundo de que certos preconceitos, certos bloqueios econômicos e sociais, estão sendo superados. Eu acho que representa maior democratização das nossas sociedades e dos nossos países. E acredito que a presença da mulher aqui vai significar também a possibilidade de que em outros países da América Latina, como nós já tivemos no Chile a presidenta Bachelet, nós tenhamos também outros países em que a mulher seja eleita.”


O exercício da Presidência da República

“A responsabilidade é bastante maior, ou seja, sobre os meus ombros pesa a responsabilidade de dirigir um país da dimensão do Brasil, com os desafios que o Brasil tem. Eu venho de uma experiência de governo muito bem sucedida. Mas eu tenho clareza de que muito foi feito. Eu participei do outro governo de forma muito próxima do Presidente. Na verdade, eu vivia aqui em cima, mudei para o andar de baixo. Ao chegar no andar aqui de baixo, você encara uma responsabilidade muito maior, porque a decisão, em última instância, está na sua mão.”

“O Brasil é um país que muito realizou, mas tem grandes desafios pela frente, e são desafios enormes porque os números no Brasil são sempre maiores, aqui, do ponto de vista do conjunto da América Latina. Nós temos aqui, no Brasil, uma série de desafios colossais. Exemplo: nós queremos erradicar a miséria no Brasil. Hoje nós temos ainda algo em torno de uns 15 milhões de miseráveis no Brasil, nós temos de enfrentar esse problema. E não podemos deixar que [caia] o nível de vida dos demais, que ascenderam às classes médias… porque houve uma revolução nesses últimos oito anos, nós conseguimos tirar da pobreza e de [fazer] chegar à classe média algo como 37, 38 milhões de brasileiros, se você contar até os dados não completamente fechados de 2010.”

“Temos de continuar esse processo de elevação do nível de vida da população brasileira, portanto, temos de manter o nível, também, de crescimento econômico, para garantir emprego para todos os brasileiros que têm condições de trabalhar. Não é só o programa de transferência de renda, como o Bolsa Família, mas é a geração de milhões de empregos. Sem isso, um país como o Brasil não consegue fazer face aos seus desafios.”

“E nós temos um desafio educacional também. Nós temos de conseguir combinar não só uma melhoria radical na nossa educação, da qualidade da nossa educação, para as crianças e adolescentes, mas nós temos um grande desafio na profissionalização, porque hoje o Brasil tem um problema de quase pleno emprego.”


Desafios brasileiros

“No governo a gente sempre corre contra o tempo, não é? Eu tenho corrido contra o tempo, contra quinhentos anos de abandono da população brasileira. A gente corre contra o tempo quando eu falo em reduzir a pobreza no Brasil. Agora, no caso específico que você levantou, primeiro, nas enchentes, eu acho que no Brasil nós temos de caminhar e nós temos condições tecnológicas para isso. Nós temos condições e recursos humanos para isso, temos recursos financeiros para isso. Nós temos de caminhar para um sistema que não é que acabe com as enchentes, você vai ter sempre acidentes climáticos, mas que acabe e que elimine e que reduza ao mínimo o número de mortes. Então, desde um sistema de alerta de enchentes, passando portanto… de prevenção, por todo um investimento em infraestrutura, que é a drenagem para quando os rios encherem você não ter alagamento de residências, de empresas ou, se tiver, ter um nível de segurança, não deixando as pessoas morarem na beira dos rios e correrem risco de vida. A mesma coisa para a encosta de rio. No Brasil, você entende porque isso aconteceu. Depois da crise da dívida, em 1982, nós tivemos um período muito grande sem grandes investimentos em infraestrutura e em projetos sociais. Por exemplo: nós não tivemos grandes planos habitacionais no Brasil. Então, a população não tinha acesso à moradia…"


Imagem do Brasil no mundo

“Eu tenho certeza que será uma ótima imagem. É uma imagem de um país que vem de um processo muito perverso, de ser um dos países mais desiguais do mundo, mudando esse perfil progressivamente, se transformando numa grande economia emergente. E, ao mesmo tempo, um país que tem maturidade para resolver seus problemas.”


Cumprimento dos contratos

“Cada país tem os seus problemas e suas condições históricas e suas explicações. No Brasil, nós tivemos um processo. Esse processo levou anos amadurecendo. Os países mais estáveis do mundo como a Inglaterra, o Reino Unido… o Reino Unido quando acha que um contrato está desequilibrado, econômica e financeiramente, para o consumidor, chama uma audiência pública e muda os termos do contrato. Fizeram isso duas vezes no setor elétrico. Então, cada país tem um processo de construção da institucionalidade diferente. A maturidade de alguns sistemas pode levar a que eles alterem as condições do contrato. Por que eles fizeram isso, se você pegar os contratos de energia elétrica do Reino Unido? Porque eles achavam que o ganho obtido pelos grandes produtores de energia era excessivo, que não era esse ganho de energia, não era aquela lucratividade que o sistema comportava, então, naquele momento, eles tinham de diferir. O que eles tinham de fazer? Eles tinham de mudar as condições em que o contrato dizia que seriam passados para o setor dos consumidores os ganhos obtidos de produtividade. Eles inventaram, inclusive, na época, um fator chamado fator X, pelo qual eles transferiam os ganhos de produtividade para o consumidor.”


Desvalorização do dólar

“Acho que o Brasil e a Argentina estão sofrendo – e todos os países emergentes, isso é público e notório – estão sofrendo as consequências da política de desvalorização praticada pelos países em questão, pelos dois grandes países do mundo. Acho que nossa posição no G-20 vai ter que ser cada vez mais uma posição de reação a esse fato, a essa política de desvalorização, que sempre levou a situações muito problemáticas no mundo, a chamada desvalorização competitiva. Eu desvalorizo a minha moeda para competir com você. Essa política levou a várias crises econômicas, aliás, a várias disputas políticas, disputas econômicas. E ela não é boa nem para o Brasil, nem para a Argentina, nem para nenhum país emergente. Nós achamos que os Estados Unidos, em especial, que detém a moeda que é reserva de valor, tem de levar em consideração esse fato. Nós temos, hoje, 288 milhões de dólares em reservas, em dólar. Então, para nós, também, é uma questão muito importante que não haja uma perda de valor. A perda de valor da moeda que é reserva de valor é uma contradição. Achamos também que todos os países não podem aceitar políticas de dumping, mecanismos de competição inadequados, não baseados nas práticas mais transparentes, e que os países têm de reagir a esse fato. Agora, também sabemos que o protecionismo, no mundo, não leva a boa coisa. Instituir o protecionismo, as perdas não são restritas àquele do qual você está se defendendo, elas se espalham pelo sistema, é isso que eu quero dizer.”


A agenda da Presidenta

“O foco da minha agenda é o seguinte: é o compromisso que o governo brasileiro mais uma vez assume, com o governo argentino, de uma política conjunta e estratégica de desenvolvimento da região. O desenvolvimento do Brasil tem de beneficiar o conjunto da região. Dou um exemplo: nós vamos ter uma política muito forte para gerar a política de fornecedores na área do pré-sal. Nós temos essa política, a gente chama “política de conteúdo nacional”. Nós cogitamos de uma política de conteúdo regional, conjunta, com a Argentina. Nós cogitamos de uma agenda em que a Argentina e o Brasil, do ponto de vista de serem países com grandes recursos alimentícios, com grandes recursos energéticos, possam aumentar a agregação de valor e a geração de emprego na região. Nós queremos uma parceria na área de tecnologia e de inovação com a Argentina. Nós queremos também uma parceria no uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos.”


Visita do presidente Barack Obama

“Eu acho que a relação do Brasil com os Estados Unidos é uma relação histórica. Nós temos uma relação – acho que os demais países da América Latina também têm – histórica com os Estados Unidos. Essa relação, na medida em que os países foram se desenvolvendo, foi mudando. Hoje, por exemplo, fantasticamente, os Estados Unidos são superavitários na relação comercial com o Brasil. Obviamente isso era inconcebível até pouco tempo atrás.

Por quê? É importantíssimo olhar os Estados Unidos como um grande parceiro comercial dos países da América Latina. Para o Brasil, os Estados Unidos foram – e sempre serão – um parceiro muito importante. Então, nós, a cada período, nós temos de melhorar cada vez mais, e mudar o patamar da relação. Tivemos uma experiência muito boa nos últimos anos, tivemos diferenças de opinião. Agora, o que importa é perceber que essa é uma parceria que tem um horizonte de desenvolvimento muito grande. Então, nós consideramos que, a cada ano, nós vamos ter de virar as páginas do ano anterior.”


Direitos Humanos

“Em alguns momentos, eu até tive uma divergência pequena com o Itamaraty. Eu não vou negociar Direitos Humanos, eu não vou fazer concessões nessa área. Agora, eu não acho que os Direitos Humanos possam ser olhados como restritos a um país ou uma região. Essa é uma falácia. Direitos Humanos hoje no mundo é algo que nós temos de olhar no nosso país e em todos os países, não dá para só ver a trava no olho do vizinho, porque, no caso dos países desenvolvidos, nós já tivemos episódios terríveis. Aliás, eu e o mundo. Em Abu Ghraib teve problemas de Direitos Humanos, e ainda tem, em Guantánamo. Agora, eu também considero que apedrejar uma mulher não é uma coisa adequada. Então, não vou, de maneira alguma, achar que ter uma posição firme em relação a Direitos Humanos simplesmente é apontar com o dedo um país e falar: “Aquele ali é o país que não respeita”. É bom que cada um de nós olhemos, como a Bíblia diz, para a trava no seu próprio olho."


Cuba

“Acho que Cuba, com a libertação dos prisioneiros, deu um avanço, deu um passo na frente, nessa questão de Direitos Humanos, porque ela fez um esforço e tem uma melhoria. E acho que ela deve continuar fazendo. No processo de construção da saída de Cuba, pelo menos porque você vê o governo cubano dizendo que vai fazer, que é uma melhoria nas condições econômicas, democráticas e políticas do país. Eu respeito também o tempo deles, respeito. Muitas vezes, a gente tem de entender o seguinte: que a política é feita em uma determinada temporalidade. Em Cuba eu prefiro dizer o seguinte: acho que há um processo de transformação, e acho que todos os países devem incentivar esse processo de transformação. Se houver alguma falha dos Direitos Humanos de Cuba, eu não vejo nenhum problema em falar: “Olha, está errado ali”, e tal, “tem isso lá”. Qual é o problema? Podem fazer aqui no Brasil também. Nós não estamos dizendo que nós somos, aqui, um país que não tem suas dívidas com os Direitos Humanos. Nós temos.”


Venezuela no Mercosul

“É importante a Venezuela entrar no Mercosul, e acredito que, para o nosso bloco, é muito bom que vários países, além dos que originariamente estavam no Mercosul, entrem no Mercosul, porque muda o patamar do Mercosul. Você veja que a Venezuela é um grande produtor de petróleo e gás. Ela tem muito a ganhar entrando no Mercosul, e nós temos muito a ganhar com a presença da Venezuela no Mercosul. Então eu vejo com excelentes olhos a entrada da Venezuela, a participação da Venezuela. No caso específico da forma de governança dentro da Unasul, eu acho que está em um processo de negociação. Sempre que for possível se fazer rodízio, eu acho o rodízio um método muito bom. Por quê? Porque nós estamos em uma reunião em que todos são iguais. É a tal da “távola-redonda”, não tem ninguém na ponta. Então, o rodízio é o mecanismo pelo qual nós vamos garantir que todos tenham a sua hora e a sua vez na direção. E a gente tem de respeitar a ida de cada país, porque ali é uma negociação entre países soberanos, Estados soberanos que querem juntar esforços no sentido de criar uma relação política, econômica e institucional que permita que a gente dê um salto para as nossas economias e a nossa sociedade. Nada mais justo que cada um tenha a sua vez. Eu acho que isso é um princípio democrático. E um princípio democrático essencial entre países soberanos. Eu sou a favor disso, rodízio, tipo “távola-redonda”, ninguém é mais importante que ninguém; cada país, um voto.”


O emocionante dia da posse

“Eu não tenho muitas surpresas aqui. Eu vivi no centro do governo nos últimos seis anos. Então, a minha grande surpresa positiva, eu vou te dizer: foi muito bonita a minha posse, muito emocionante. Nesse primeiro mês, que começou no dia 1º de janeiro e que termina agora no dia 31, ele abre com uma cerimônia ao mesmo tempo muito bonita e triste, porque eu estava subindo, aqui a gente chama 'a rampa', e o presidente Lula estava descendo. Então, ao mesmo tempo que era bonita porque eu estava chegando, era triste porque eu participei diariamente com o presidente aqui no governo dele. Então, teve isso – foi muito bonito e muito triste. Agora, eu queria te dizer o seguinte: sempre é muito bom quando o teu povo te reconhece na rua, você entende? E o povo brasileiro é um povo muito afetivo, não é? E então, gritam... você está passando de janela aberta, gritam, te chamam. E é aquela intimidade, entendeu? É como se eu conhecesse cada um deles pessoalmente. Então, isso é muito bom. Eu ainda não tive uma [surpresa] triste. Vou ter. Talvez eu tenha tido sim uma triste, bem triste, te digo qual foi: foi olhar… você não imagina o que era a cidade de Nova Friburgo. Foi um momento muito triste, porque você via pessoas que estavam perdendo os seus parentes, o desespero nos olhos das pessoas. E, ao mesmo tempo, para mim é um compromisso que nós temos de impedir que isso ocorra outra vez."



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