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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Corrupção: distúrbio de caráter + impunidade


OPINIÃO





Corrupção é uma doença


JOSÉ CARLOS ALCÂNTARA



A corrupção pode ser diagnosticada a partir do consultório. É possível determinar a presença do distúrbio por meio do exame Pet Scan, ou tomografia por emissão de pósitrons


A psiquiatra forense Hilda Morana, coordenadora do departamento de Psiquiatria Forense da Associação Brasileira de Psiquiatria, define o termo no seu sentido social: corrupção é “ato de cometer atitudes ilícitas com o intuito de conseguir vantagem financeira ou mais poder”. O típico corrupto é “o indivíduo que busca driblar regras em benefício próprio, sem levar em consideração outras coisas que não o próprio benefício”. Ela afirma que esse tipo de comportamento é causado por um transtorno de personalidade, que pode ser definido de forma mais clara como sendo um defeito do caráter.

“É o chamado transtorno de personalidade antissocial. O indivíduo que possui o transtorno de personalidade antissocial não foi capaz, ao longo do tempo em que ocorreu o desenvolvimento de seu cérebro, de desenvolver adequadamente o ‘senso ético’. Ele não é capaz de respeitar o outro em sua plenitude, espontaneamente”. Esse distúrbio é causado por falhas cerebrais, mais especificamente, “por falhas do desenvolvimento cerebral em áreas frontais, chamadas suborbitárias, que muitas pesquisas apontam como sendo as regiões do cérebro responsáveis pela formação do ‘senso ético’ e da assimilação da moral estabelecida. Ou seja, é ‘um defeito de fabricação’. Se o indivíduo apresenta o problema em algum momento da vida, muito provavelmente vai morrer com ele e, até mesmo tratamentos modernos contra o transtorno de personalidade, não apresentam resultados 100% garantidos na recuperação”.

“Por sua vez, o transtorno de personalidade provoca uma deficiência no caráter, em decorrência de má-formação das áreas do cérebro responsáveis pela sensibilidade moral”, declara. A psiquiatra forense argumenta que há poucas dúvidas sobre o caráter herdado do distúrbio. Ela diz que sempre há pelo menos um parente que também está envolvido em alguma operação ilícita ou em alguma trapaça, embuste ou situação similar. “O caráter herdado da doença é inquestionável. Nem sempre o outro indivíduo afetado é um parente direto, como um pai ou uma mãe. Às vezes um tio, ou primo. Mas é certo que, se o indivíduo apresentou em algum momento esses sintomas, é possível encontrar outros afligidos pelo quadro na família”.

A corrupção pode ser diagnosticada a partir do consultório. É possível determinar a presença do distúrbio por meio do exame Pet Scan, ou tomografia por emissão de pósitrons: “o método revela com clareza a área suborbitária afetada pelo distúrbio do desenvolvimento. A gravidade do quadro pode variar muito. A gradação do distúrbio altera entre ‘leve’ até ‘muito grave’, e permite enquadrar a maioria dos criminosos e transgressores. Um quadro ‘leve’ pode se adequar a um oportunista que realiza pequenos delitos. Já um caso muito grave pode representar um político que realiza grandes perseguições ou até mesmo um genocídio, como um ditador”.

Esse personagem é constantemente atraído para situações em que se conhecem possibilidades de obtenção de vantagens diversas com facilidade e, por isso, há proliferação desses indivíduos no meio político”. Ela declara que “essa situação não é exclusiva do Brasil, percebe-se esse padrão no mundo. Estatísticas recentes apontam que cerca de 15% da população mundial é afetada pelo transtorno. Entre todos os casos, os mais graves, que podem responder por crimes mais sérios, orbitam entre 1% e 2% desses indivíduos.

Estes, quase que obrigatoriamente cometerão atos cruéis de algum tipo: grandes golpes, que podem afetar muitas pessoas, torturas e assassinatos bárbaros para obtenção de fortunas. “O grande problema é que isso não tem cura e o portador nunca busca tratamento. A única forma de combater o quadro são medidas de contenção externas, como a vigilância e a punição. Em situações onde os delitos praticados são punidos de fato, os portadores do transtorno tendem a se portar melhor”. Indivíduos ‘normais’ também podem ser corruptos. Tudo depende dos ambientes nos quais estão inseridos. Ambientes extremamente permissivos e com acesso a muito poder, marcados pela impunidade, que são típicos da paisagem política brasileira, normalmente favorecem o surgimento do personagem corrupto”.


A compra de votos não é vista como algo inaceitável por todos os segmentos da população. Segundo Rita Biason, em outro estudo realizado, ela identificou que a classe socioeconômica que recebe até três salários mínimos não vê problema em trocar o voto pelo saco de cimento, pela consulta médica e outros bens ou serviços. “Isso remete à necessidade, o sujeito precisa do saco de cimento embora haja aqueles indivíduos que tripudiam o coletivo, que exageram nas solicitações e muitas vezes sem necessidade”. Essa população tem vivido um ciclo de dependência dos programas do governo – como Bolsa Família. São ações que acabam não resolvendo a questão, mas sim criando uma dependência e, sob certo aspecto, reforçando a prática de corrupção.

O problema não são os programas governamentais propriamente ditos. Ocorre que perguntamos para as pessoas: você considera aceitável ou inaceitável receber uma Bolsa Família mesmo sem necessidade? A grande maioria aceita receber. Há, portanto, um dilema ético que só aparece a partir do momento em que o aguçamos”. O principal fato verificado na pesquisa é que todas as classes sociais praticam corrupção. “Temos dificuldade de dizer ‘não’ à corrupção no Brasil porque não conseguimos distinguir o público do privado. Os exemplos ao longo dos anos reforçam a ideia de que o público é algo que pertence ao indivíduo, e somente ele pode usufruir. A forma como a maioria dos agentes públicos – eleitos ou não – se comporta no Brasil, especificamente sobre a ‘coisa pública’, é lamentável e contribui para reforçar esta situação”.

Segundo a cientista política Rita Biason, a Carta de Pero Vaz de Caminha já continha indícios de corrupção, pois o autor pede emprego ao rei para um parente. Ela diz que no Brasil Colônia também há vários relatos do crime na obra Arte de Furtar. Entretanto, considera imprudente demonstrar que a corrupção no Brasil é um dado histórico. “Se for esta a lógica, não podemos fazer mais nada, teremos uma situação de imobilismo, passividade e aceitação. Dizem que há uma cultura da corrupção, mas não creio nisso. Para mim, há uma cultura de impunidade”, destaca. O ponto mais vulnerável hoje para a manutenção da corrupção é o Judiciário. “Há uma dificuldade muito grande para criminalizar a corrupção, ou seja, demonstrar por meio de provas o ato corrupto”, diz.

O Ministério Público de São Paulo consegue hoje condenar mais agentes públicos eleitos por meio da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) do que pelo Código Penal. “Isso porque pela LIA, as provas costumam ser mais evidentes e juridicamente eficientes. No Código Penal, há algumas vulnerabilidades que dificultam a condenação”, afirma. Para ela, o ajuste nesse dispositivo iria agilizar a criminalização e diminuir a sensação de impunidade entre a população. Entretanto, a pesquisadora ressalta que a corrupção não é eliminada. “Este problema estará apenas sob controle, não há forma de suprimi-lo. Os países desenvolvidos não são menos ou mais corruptos do que o Brasil, apenas possuem mecanismos de controle eficazes e punição rápida”.


Brasil 247

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