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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Justiça é uma coisa e Judiciário é outra


JUDICIÁRIO CIDADÃO


"(...) a causa da minha desesperança não é o Direito, propriamente, mas um tipo de organização de sociedade que privilegia a riqueza, com descomunal desigualdade social e concentração de renda, gerando uma horda de famintos, pobres, miseráveis e excluídos.

(...) é nossa tarefa, dos críticos e inconformados, estudar, pensar e teorizar como o Direito pode interferir para interromper este processo de geração de pobres, miseráveis e excluídos. Porém, se isto não é possível, se o Direito não faz revoluções, pelo menos não vamos impedir que a história tenha seu curso e que as revoluções aconteçam."

O juiz-cidadão-blogueiro. Charge de Carlos Latuff.


Se o Direito não faz revoluções, pelo menos que não impeça o curso da história


A liberdade guiando o povo - Eugène Delacroix


Gerivaldo Neiva*

A cada ano aumenta em mim um pouco mais a descrença no atual modelo de Poder Judiciário. O que não significa dizer, evidentemente, descrença ou desesperança na Justiça. Que fique claro, portanto, que Judiciário e Justiça são dois entes bem distintos e não necessariamente andam juntos. Da mesma forma, aumenta em mim a cada ano a descrença na Lei como solução para os problemas da humanidade. O que não significa dizer, evidentemente, descrença ou desesperança no Direito. Que fique claro, portanto, que Lei e Direito são dois entes bem distintos e não necessariamente andam juntos.

Sei também, visto que não sou pessoa especial, que este sentimento é compartilhado por muitos e sei que são muitas as tentativas de teorizar e pensar alternativas ao modelo atual de Judiciário e ao conceito de Direito que nos legou a modernidade, ou seja, o Direito como norma. Da mesma forma, sei que esta angústia não é um privilégio dessa geração da qual fazemos parte. Na história, muitos já se rebelaram e até morreram em busca de alternativas para a humanidade. Logo, não há nada de novo em ser crítico e inconformado com o que está posto. 


Outro dia, por exemplo, a capa de uma revista[1] me chamou a atenção: “A Justiça no banco dos réus”. No subtítulo: “Da antiguidade aos dias de hoje, os julgamentos polêmicos que escandalizaram sociedades e ainda provocam debates sobre as decisões do poder judiciário”. Em resumo, eis os casos:

I – Antiguidade: Jesus Cristo e Sócrates

II – Idade Média: Joana d’Arc, Templários e Jacques Coeur

III – Idade Moderna: Galileu, Nicolas Fouquet, Jean Calas, Luiz XVI e Duque de Enghien

IV – Idade Contemporânea: o caso Dreyfus, Nelson Mandela, índio Galdino, Julian Assange e as integrantes do grupo russo Pussy Riot
Sei que cada um dos leitores tem algum outro caso em mente e a lista não teria fim: Felipe dos Santos, Tiradentes, Prestes, Mensalão etc.

Bom, relatar casos é fácil. O mais difícil é entender as razões de cada julgamento. Para tanto, creio ser imprescindível entender cada período e sua conjuntura política, econômica, social e religiosa em busca de luz para entender esses julgamentos. Mas, sendo assim, esses julgamentos estariam relacionados ao “judiciário” e leis de cada época ou à conjuntura de cada época? Então, complicando mais ainda, haveria um Direito que dava suporte teórico a esses julgamentos ou o Direito também estaria relacionado à conjuntura de cada época?

Metaforicamente, voltaríamos ao velho enigma: quem nasceu primeiro: o ovo (a lei e o direito) ou a galinha (a história e suas contradições)? Como ainda hoje fazem as crianças, poderíamos divagar em várias hipóteses sobre a ordem dos nascimentos e nunca se chegar a uma conclusão. A ciência, no entanto, defende a teoria de que a galinha nasceu primeiro, mas ainda não podemos dormir direito com a infinita incerteza de como teria nascido a primeira galinha.

Ora, a seguir os passos da ciência, ainda metaforicamente, poderíamos dizer que a história e suas contradições (a galinha) nasceram primeiro do que a Lei e o Direito (o ovo), mas ainda assim continuaríamos discutindo como a história teve início e como os homens resolveram viver em comunidade. Neste caso, teríamos que nos socorrer de dois barbudos famosos: Freud e Marx.

Deixando de lado este singelo enigma e voltando ao começo, às vezes penso que minha descrença não é com o Direito, mas exatamente com o tempo que produz isto que hoje chamamos de Direito. Assim, a causa da minha desesperança não é o Direito, propriamente, mas um tipo de organização de sociedade que privilegia a riqueza, com descomunal desigualdade social e concentração de renda, gerando uma horda de famintos, pobres, miseráveis e excluídos.

Por fim, mesmo sabendo que o Direito e a Lei são filhos da história, penso que é nossa tarefa, dos críticos e inconformados, estudar, pensar e teorizar como o Direito pode interferir para interromper este processo de geração de pobres, miseráveis e excluídos. Porém, se isto não é possível, se o Direito não faz revoluções, pelo menos não vamos impedir que a história tenha seu curso e que as revoluções aconteçam.

* Juiz de Direito (BA), membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Law Enforcement Against Prohibition (Leap-Brasil).

[1] História Viva. Edição Especial. Grandes Temas. Nº 40. São Paulo: Duetto Editorial, 2013.


Blog Gerivaldo Neiva, Juiz de Direito

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