A República foi proclamada em 15 de novembro de 1889. Na próxima semana, completará 122 anos.
República é uma forma de governo construída sobre três pilares, os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, harmônicos e independentes, como nos ensinou Montesquieu.
No Brasil, os poderes Legislativo e Executivo têm seus membros escolhidos em eleições livres e encontram-se permanentemente sob os olhares atentos dos cidadãos e da mídia. O mesmo não ocorre com o Poder Judiciário, poder fechado, oligárquico, onde ainda não chegaram a transparência e a democracia.
Está mais do que na hora da sociedade brasileira mudar isso. A República, anunciada há mais de um século, precisa ser finalmente implantada no Brasil.
O artigo abaixo, publicado em 13 de junho de 2007, na Folha de S. Paulo, trata desta e de outras questões e infelizmente continua muito atual.
MARCO ANTONIO VILLA
O nó górdio da impunidade, e que atinge o coração da democracia, não está no Executivo nem no Legislativo, mas no Judiciário
A AÇÃO da Polícia Federal, especialmente a Operação Navalha, tem criado enorme polêmica.
Muitos perguntam a quem interessam essas ações, como se uma polícia de Estado tivesse de servir ao governo em vez de defender o interesse público. A cada operação, é elaborada uma teoria conspiratória e começa a busca dos favorecidos e dos prejudicados.
Os críticos alegam que tudo não passa de mero espetáculo, sem nenhum resultado prático, como se fosse tarefa da PF julgar e condenar os acusados de desvios dos recursos públicos. Ela faz - e bem - a sua parte. O nó górdio da impunidade - e que atinge o coração da democracia - não está no Executivo nem no Legislativo, mas no Poder Judiciário. Os dois primeiros Poderes, apesar dos defeitos que possuem, sofrem vigilância muito mais severa da imprensa, são mais transparentes e democráticos. Do Judiciário, pouco ou nada sabemos.
Vivemos uma grave crise política - que se eterniza. E parte dela se deve à corrupção. E o papel ativo do Judiciário nesse combate é essencial.
A Justiça brasileira é severa com o "andar de baixo", mas leniente com o "andar de cima". Contra os pobres, age rapidamente e pune severamente. Já políticos acusados de corrupção - e considerados por seus pares como corruptos - continuam circulando livremente. Alguns estão no Congresso e são recebidos pelo presidente da República com todas as honras. Um deles, inclusive, pode entrar tranquilamente no Palácio do Planalto, mas será preso se pisar nos Estados Unidos.
O Judiciário deve agir combatendo os crimes, independentemente da origem social do acusado. Parece óbvio, mas não é o que ocorre no Brasil.
É um Poder que acabou conivente com a desmoralização da própria Justiça. E exemplos não faltam.
Não é mero acaso que nenhum dos políticos importantes acusados de corrupção tenha sido condenado e preso. Eles contratam advogados criminalistas especializados em inocentar corruptos - e que cobram honorários caríssimos. Sabem que recebem dinheiro sujo. Mesmo assim, muitos deles, sem pestanejar, assinam manifesto em defesa da ética na política...
A crise moral atinge até os tribunais superiores. A Operação Hurricane apresentou documentos e gravações envolvendo juízes, advogados e um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A Navalha chegou ao TCU (Tribunal de Contas da União).
Aí temos outro problema: a forma como são sabatinados pelo Senado os candidatos a ministro dos tribunais superiores - como STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ - indicados pelo presidente da República.
Diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, na terra descoberta por Cabral, tudo não passa de mera formalidade. Na sessão, o futuro ministro é elogiado, louvado como eminente jurista, mesmo que os senadores não tenham lido nada dele. Não se faz nenhuma pergunta sobre tema relevante: evitam constrangimentos a todo custo. O candidato já está aprovado antes da audiência. E se for uma mulher, ah, aí a sessão se transforma: a candidata é elogiada pela beleza, elegância e charme, numa manifestação explícita de machismo.
O problema das nomeações é antigo: Collor retirou do STF Francisco Rezek para designá-lo ministro das Relações Exteriores. Depois o demitiu. Para não deixá-lo na rua, colocou-o de novo no STF. E se fôssemos mais longe, chegaríamos a Floriano Peixoto, que designou um médico e um general para a Suprema Corte. A legislação atual é mais que suficiente para combater a corrupção. Logo, a questão não passa pela inexistência de base jurídica. Falar que falta vontade política ao Judiciário deixaria Montesquieu corado. Também não cabe tomar nenhuma atitude que viole o equilíbrio entre os Poderes.
O caminho deve ser uma cobrança ativa da sociedade, exigindo que o Judiciário finalmente, para usar linguagem futebolística, entre em campo.
Dentro desse quadro, com o Judiciário que temos, é impossível começar uma Operação Mãos Limpas, como na Itália. Diversamente do que escreveu nesta página o juiz Cláudio José Montesso (dia 10/6), apontar os graves problemas do Judiciário não fragiliza sua atuação ou a democracia.
Muito pelo contrário: fortalece a necessidade da mudança desse padrão.
O que o país espera é uma Justiça célere, eficiente e não-classista. Espera que voltemos a ter capacidade de nos horrorizarmos. Espera que o corrupto seja preso, julgado e condenado (devolvendo aos cofres públicos o dinheiro desviado). Espera que a República anunciada em 15 de novembro de 1889 seja finalmente proclamada.
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