Abaixo, uma análise do discurso histórico da presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher a abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas, ontem, em Nova York.
Bordoadas com bandeira feminina
Dezesseis das 2.301 palavras usadas pela presidenta Dilma Rousseff em seu discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, na manhã desta quarta-feira, eram referências diretas ao gênero feminino.
Em sua fala, Dilma não deixou passar batido o fato de ter se tornado, no momento em que subiu à tribuna, a primeira mulher a abrir o Debate Geral da ONU, papel que tradicionalmente cabe ao Brasil. “Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o Debate Geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna que tem o compromisso de ser a mais representativa do mundo”, afirmou Dilma, logo na abertura de sua fala. A presidenta se disse “humilde”, mas com “justificado orgulho” pelo que classificou como momento histórico. E recebeu aplausos dos líderes mundiais.
“Divido esta emoção com mais da metade dos seres humanos deste Planeta, que, como eu, nasceram mulher”, acrescentou, antes de dizer que este será o “século das mulheres”.
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Não eram apenas formalidades. Antes de entrar em assuntos considerados mais delicados, Dilma jogou flores à plateia onde se reuniam os chefes de Estado: lembrou que, na língua portuguesa, as palavras “alma”, “esperança”, “coragem” e “sinceridade” pertencem ao gênero feminino. Com estas últimas, cavou sua trincheira para emendar o recado para os líderes mundiais: “Pois é com coragem e sinceridade que quero lhes falar no dia de hoje”.
Foi quando Dilma deixou de lado as flores e as luvas de pelica e acertou com os dois pés o peito de parte da plateia que a assistia: os países ricos, que segundo ela querem encontrar sozinhos uma saída para a crise que eles mesmos inventaram; a China (que não foi citada), pelo desequilíbrio financeiro patrocinado pela guerra cambial; os ditadores árabes que reprimem manifestações populares em busca de democracia; Israel, este citado com todas as letras, por não compreender que apenas uma Palestina “livre e soberana” poderá estender a “estabilidade política em seu entorno”; e a própria cúpula das Nações Unidas, reivindicando novamente um assento no Conselho de Segurança do órgão. Era o que se esperava dela, que manteve o tom firme, menos emotivo que em outras falas. Se faltaram lágrimas, sobraram aplausos dos colegas que a assistiam.
Ao falar da crise financeira mundial, a presidenta emendou. “Nós, mulheres, sabemos, mais que ninguém, que o desemprego não é apenas uma estatística. Golpeia as famílias, nossos filhos e nossos maridos. Tira a esperança e deixa a violência e a dor”.
Dilma voltaria a conclamar “as mulheres de todo mundo” ao falar sobre as políticas de inclusão de seu governo. Porque, no Brasil, “a mulher tem sido fundamental na superação das desigualdades sociais”. “Nossos programas de distribuição de renda têm nas mães a figura central. São elas que cuidam dos recursos que permitem às famílias investir na saúde e na educação de seus filhos”, completou.
No discurso, houve tempo ainda de felicitar o secretário-geral Ban Ki-Moon “pela prioridade que tem conferido às mulheres em sua gestão à frente das Nações Unidas”. Foi o gancho para saudar a criação da ONU Mulher e sua diretora-executiva, a ex-presidenta do Chile Michelle Bachelet.
Dilma citou ainda “as mulheres anônimas, aquelas que passam fome e não podem dar de comer aos seus filhos; aquelas que padecem de doenças e não podem se tratar; aquelas que sofrem violência e são discriminadas no emprego, na sociedade e na vida familiar; aquelas cujo trabalho no lar cria as gerações futuras”.
E arrematou: “Junto minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da vida política e da vida profissional, e conquistaram o espaço de poder que me permite estar aqui hoje”.
Como esperado, lembrou o período em que foi torturada na prisão, durante o regime militar, período em que, segundo a presidenta, aprendeu, como mulher – frisou – a valorizar “a democracia, a justiça, os direitos humanos e a liberdade”.
Foi, talvez, a mais esvaziada das suas colocações – já que, na viagem para Nova York, não conseguiu levar na bagagem um argumento sólido para dizer que, com uma Comissão da Verdade de fato, o Brasil já não compactua com seu passado de repressão.
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