Tratar de corrupção no Brasil é correr o risco de repetir chavões e clichês já dominados pelo senso comum. “Todo político é corrupto”, dizem cotidianamente os brasileiros, ou mesmo “o Brasil é um país corrupto”, numa generalização que, apesar de sua razão de existir, escurece o panorama de possibilidades e existências dignas neste país de dezenas de milhões de habitantes. No tema de nosso interesse, o enunciado que precisamos discutir é: “a polícia é corrupta”.
O primeiro passo para sanar um problema é reconhecer sua existência. Defesas corporativas extremadas, em que são exaltadas paixões e escondidas as inconsistências, são o primeiro passo para a evolução e crescimento dos desacertos. Fingir que não há corrupção nas polícias brasileiras, ou minimizar os danos que ela traz para o desempenho das instituições, é uma tarefa cômica, trágica e lamentável.
E aqui não me refiro apenas às entrevistas em que os gestores frisam que a “polícia não admite condutas irregulares em seus quadros”, e que “iremos apurar e punir com o máximo de rigor possível”, um discurso repetido que apenas tem servido para nutrir a mídia em sua sede sensacionalista. O problema da corrupção policial existe, sim, e ele vai muito além de punir “doa a quem doer”.
As corporações policiais têm se esforçado em criar processos seletivos rigorosos para evitar o ingresso de mal intencionados em seus quadros. As investigações sociais e testes psicológicos são fundamentais para evitar que o mal combatido pelas polícias estejam dentro delas. Mas, claro, apesar de sua importância, a seleção é só o começo do combate complexo contra a corrupção.
O tipo de formação é outro fator a ser observado. O discurso utilizado nas academias é ferramenta indispensável para manter ou modificar a cultura organizacional, e esta, por sua vez, acaba modificando os discursos nas academias. Pequenas práticas enraizadas nos costumes das instituições são determinantes na incidência da corrupção, e mudá-las exige esforços titânicos, pois estão imunizadas contra mudanças.
Apurar e punir desvios é preciso, mas aqui já estamos falando de uma postura reativa, que as corregedorias policiais, principalmente as militares, já fazem de modo intenso. Dois pontos espinhosos precisam ser ressaltados neste momento. Primeiro, punir a base da pirâmide é indispensável, mas as cúpulas, as chefias, precisam ser ainda mais vigiadas e questionadas quanto à probidade de suas ações. Segundo, a correição interna é limitada e insuficiente. Os integrantes de uma mesma força policial se conhecem e interagem cotidianamente, de modo que as punições podem ser contraproducentes, e gerar riscos reais para o autor da punição – mesmo que justa. Sem “caça às bruxas”, é importante se pensar em controle externo, sim.
É preciso premiar os honestos. As polícias já vinculam a percepção de alguns benefícios à ausência de punições na ficha dos policiais. Empregar bons policiais em funções relevantes, resistindo ao corporativismo e às influências políticas que às vezes estão por trás de homens corruptos, é ao mesmo tempo uma motivação para os dedicados ao bem e uma demonstração aos maus de qual filosofia está vigente na corporação.
O bolo da corrupção é formado por ingredientes complexos e, cada um deles, de composição intrincada. Este texto é uma provocação, nem tão completa como a feita pelo filme Tropa de Elite 2, nem tão ingênua a ponto de ignorarmos a corrupção enquanto problema urgente na agenda da segurança pública brasileira. Admitir esta urgência é interesse da sociedade, a boa sociedade que se recusa a pagar propina a um policial numa blitz de trânsito, e dos policiais honestos, principais beneficiados com a redução do aviltamento a sua profissão.
Danillo Ferreira
Danillo Ferreira
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