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sábado, 9 de julho de 2011

O Judiciário no Banco dos Réus

Já foi feita aqui no ABC! a distinção entre Justiça e Judiciário, em artigo escrito pela combativa advogada Vera Vassouras.

Justiça é um sentimento, como nos ensinou ela. Judiciário é um sistema de poder, um dos três poderes da República. Na opinião desta reles blogueira, o mais poderoso e danoso dos três poderes, até porque tradicionalmente elitista e sem controle externo da sociedade.

No excelente artigo que reproduzo a seguir, melhor seria, pois, falar do Judiciário no banco dos réus.




A Justiça no banco dos réus

Davis Sena Filho*


A Justiça brasileira, certamente, é uma das instituições com menos credibilidade no Brasil. Dos três poderes constituídos é aquele que, no jargão popular, poder-se-ia dizer que ainda não mostrou para o que veio, desde a redemocratização do País, em 1985, depois de a sociedade brasileira amargar uma ditadura de 21 anos.

Como a Justiça, ao que parece, não é transparente e reage a qualquer proposta de controle externo, que tem por objetivo democratizá-la, é mais do que necessário que a mesma seja fiscalizada em seus atos e ações, por intermédio de mecanismos que não permitam que alguns juízes ultrapassem os limites do que é legal e, por sua vez, do que é ético, porque muitos optam por veredas tortuosas, a compactuar e a ser cúmplices daqueles que não observam as leis e os códigos brasileiros.

Muitas vezes corporativista e de vocação nepotista, membros do Judiciário têm se esmerado em combater e até mesmo desacreditar a fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e, dessa forma, colocar o Brasil entre os países onde ainda impera um estado de beligerância urbana e rural, bem como de favorecimento à corrupção, o que não corresponde, irrefragavelmente, ao que está escrito na Constituição Federal de 1988, que salvaguarda o Brasil como um estado democrático de direito.

Qualquer pessoa, por mais humilde ou “ignara” ou de poucas letras que seja possui um mecanismo nato em seu pensamento, em seu coração, em seus sentimentos, notavelmente humanos, que é o de perceber, por experiência de vida, consciência e instinto, o que é certo ou errado, legal ou ilegal, o que é justo ou injusto.

Não adianta alguns juízes, com suas capas de Zorro, com empáfia e arrogância se fazerem de imortais ou intocáveis, porque a população — como afirmei anteriormente — sabe o que é injusto e o que é errado, o que é indecente e o que é desonesto. No momento, a sociedade brasileira sabe que a Judiciário não coaduna com os anseios do cidadão contribuinte, que, constantemente, tem de engolir a seco os ditames de alguns juízes que se valem de "aberturas" da lei para liberar, soltar e, muitas vezes, permitir a soltura e até mesmo a fuga de criminosos pegos no ato de “passar bola", principalmente os que usam colarinho impecavelmente branco, como as roupas de propaganda de sabão em pó.

São incontáveis as humilhações impostas pela Justiça ao povo brasileiro, que, trabalhador e pagador de impostos, tem de aguentar e tolerar as agruras impostas pelo Poder Judiciário, capitaneado por servidores públicos que estudaram Direito e que, ao contrário do que significa o nome do curso, não colocam em prática a teoria aprendida quase sempre em universidades públicas sustentadas pelo contribuinte, que não recebe, quase nunca, a contrapartida de parte dos juízes, que poderia ser retratada em mais jurisprudência e menos chicana.

Haverá um dia que os maus juízes terão de perceber que, apesar de serem filhos das classes média, média alta e alta, tiveram seus cursos financiados pelos cidadãos brasileiros contribuintes, e que por esse importante e fundamental motivo, devem a esse cidadão seus bons salários, suas carreiras sólidas e seguras, suas previdências, suas nomeações e seus status sociais como executores da lei e da justiça.

Como é difícil, para a maioria dos cidadãos, observarem tanta "liberação" de pessoas envolvidas com casos de corrupção e até mesmo de assassinato como acontece neste País. Os juízes dizem que suas determinações de soltar a quem está preso obedecem, de forma irretorquível, a letra fria da lei. Tudo isso pode ser verdade, real, mas o que a população sente é um tremendo abandono, o que causa, indelevelmente, um grande mal-estar e um sentimento amargo de impotência perante as pessoas que cometem crimes e não são punidas.

Nossa realidade é o estado democrático de direito. Portanto, o castigo, conforme a lei, determina-se, sem espaço para a tergiversação, como realisticamente acontece quando, comprovadamente, autores acusados de colarinho branco conseguem alvarás de soltura por meio de habeas corpus, e, consequentemente, não são devidamente punidos, o que causa uma enorme sensação de impunidade à população, que percebe, independente da letra da lei, que a cadeia foi criada para os pobres, que, geralmente, são brasileiros de etnia negra e de classes sociais carentes.

Nascer branco no Brasil é como ganhar na megasena. É grande caminho andado para que o cidadão branco supere obstáculos e tenha sucesso na vida.

É assim que funciona a nossa sociedade, hierarquizada malvadamente, pelas nossas elites (brancas), que edificaram seus poderes por intermédio da pedra fundamental da escravidão. A maioria dos juízes nasce em berço esplêndido e, esplendidamente, defende interesses corporativistas de sua categoria e de sua classe social. Esta é a questão fundamental. No capitalismo, a imprensa privada e comercial, a Justiça e o sistema de segurança pública e particular garantem os privilégios e os benefícios das classes sociais que frequentam o pico da pirâmide social. E é por esse motivo, caro leitor, que é quase impossível punir os poderosos.

Pessoas ricas e da elite branca não podem nem ser algemadas, quanto mais presas, como ocorreu em casos notórios como os dos empresários banqueiros Daniel Dantas e Salvatore Cacciola, bem como de autoridades públicas das três esferas, exemplificadas nas pessoas do juiz Nicolau dos Santos Neto (juiz Lalau), dos ex-senadores Luiz Estevão e Joaquim Roriz, além do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, sem esquecer de citar os episódios dos promotores Leonardo Bandarra e Deborah Guerner, que respondem a processos na Justiça, por causa do Mensalão do DEM, somente para ficar nesses casos, porque o povo sabe que existem milhares de ocorrências de colarinho branco, tanto no âmbito da iniciativa privada quanto na esfera pública.

A realidade do País não condiz com a Lei Nº 7.492/1986, conhecida como Lei do Colarinho Branco, que dispõe sobre os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Todavia, a prática não corresponde à teoria. Para exemplificar a afirmação, relembro a ação do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, que, após conceder dois habeas corpus em 48 horas ao banqueiro Daniel Dantas preso em 2004 na Operação Satiagraha da Polícia Federal, criticou duramente a operação da PF, para logo depois aprovar súmula vinculante que restringe a utilização de algemas durante operações policiais e julgamentos.

Daniel Dantas foi algemado e a Justiça não gostou, bem como a imprensa privada e hegemônica. Não é necessário prolongar-se a respeito do fato acontecido, porque estamos mais do que cansados de saber que os presos pobres, negros ou brancos (minoria) são sumariamente algemados, além de apanhar da polícia. É assim que se conduz a nossa elite. Não há novidade. É histórico e de conhecimento público. Moral da estória, a que não é da carochinha: rico no Brasil não pode ser algemado e muito menos condenado e preso. Ponto final. A democracia, para mim, ainda não chegou ao Judiciário.

Apesar de termos acesso a informações de que as justiças dos países considerados “desenvolvidos” e democráticos dão tratamento mais isonômico às diferentes classes de seus tecidos sociais (empresários e políticos são julgados e presos de forma ordinária), não conseguimos ainda fazer com que o Judiciário brasileiro se torne democrático, republicano e justo. A aceitação de chicanas, a passividade com a morosidade e o distanciamento de certos juízes com as realidades e as necessidades do povo brasileiro se torna uma questão, considero, grave de insegurança pública e instabilidade até mesmo política, porque não há como ter paz sem justiça. O injustiçado, indelevelmente, tornar-se-á um ser revoltado e em constante conflito com a sociedade.

Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que exerce o controle externo do Poder Judiciário, tem de ter a plena liberdade para averiguar e fiscalizar seus membros ou tribunais que, por interesse ou outro, não zelam por uma conduta exigida para o ofício de servir ao País. Ultimamente, o atual presidente do STF, ministro Cezar Peluso, tem questionado as ações de membros do CNJ, no que concerne à punição de juízes, às questões administrativas e a seus relatórios.

Além do mais, os integrantes do Judiciário foram os que mais reagiram quando da efetivação da lei contra o nepotismo. A reação foi muito maior do que a dos funcionários dos poderes Legislativo e Executivo. Esse fato foi veiculado e publicado pelos jornais e pelas televisões, de forma ampla e verídica. Um absurdo, por se tratar de membros do Judiciário, que deveriam dar o exemplo para o povo brasileiro.

A verdade é que é muito difícil para os juízes julgar juízes, e o corporativismo e os interesses políticos e de classe são enormes quando têm de efetivar punições aos que cometem crimes, o que, sem sombra de dúvida, fatos dessa natureza não condizem com o Brasil de hoje e com as gerações de brasileiros que sonharam e sonham em concretizar o estado democrático de direito em nosso País. E para o sonho virar realidade é inquestionável que o Poder Judiciário tem de rapidamente resgatar seu nome no que tange à confiança da população brasileira em relação à sua atuação.

A imprensa tem publicado notícias sobre juízes e outras categorias de profissionais que são do Judiciário envolvidos em casos de corrupção, juntamente com alguns servidores policiais, além de funcionários públicos de outros poderes e seus diversos órgãos e autarquias. Não é necessário ao grande povo brasileiro trabalhador ter um diploma universitário para perceber que a Justiça está a dever, mesmo quando ela questiona as acusações para dar satisfação à sociedade.

Acontece que juízes são homens e mulheres como outros homens e mulheres, e por isso sempre estarão à mercê de seus dogmas, crenças, culturas, valores e princípios, que não se agregam somente à pessoa quando de sua vida universitária e acadêmica e sim desde o berço de nosso nascimento, quando homens e mulheres passam a ter contato com a família, com a escola, com a igreja, com a sociedade e com o mundo que nos rodeia. A Justiça é muito importante para a sociedade e tem de receber apoio dos cidadãos, pois sem ela não se consegue viver com decência, dignidade e paz.

Entretanto, o Judiciário e os homens e mulheres que compõem esse imprescindível Poder têm de ser fiscalizados, de forma republicana e respeitosa à autoridade judicial. O CNJ tem de ser cada vez mais fortalecido, porém não deve se intrometer em questões somente relativas aos tribunais. O Executivo é fiscalizado, o Legislativo é fiscalizado e a Justiça tem de ser, além de fiscalizada, muito transparente, porque ela é uma das principais responsáveis pelo bem-estar do povo brasileiro. Por causa disso, é preciso combater iniquidades, no que concerne à sua própria atuação.

Creio que se não houver uma mudança no pensamento das autoridades judiciais, o estado democrático de direito estabelecido no País pela Constituição de 1988 corre perigo, pois a continuar essa situação de degeneração moral e violência social que assola o País ficará muito difícil concretizar uma ordem que permita à população de quase 200 milhões de habitantes viver em paz e, consequentemente, inserir o Brasil em um contexto de País civilizado e desenvolvido.

*Davis Sena Filho é jornalista.



Palavra Livre/Jornal do Brasil


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