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segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Brasil e a cultura da ladroagem

Será que não tem jeito, mesmo? Estamos condenados a essa condição de povo desonesto, gatuno, salafrário? É irremediável? 

Socorro!!!

Antropólogos de plantão e outros estudiosos da alma humana e brasileira, ajudem-nos a entender o que se passa com esse povo... ou melhor, com todos nós!



Desonestidade é cultura

João Ubaldo Ribeiro


Sempre se tem cuidado com generalizações, para não atingir os que não se enquadram nelas. Às vezes o sujeito odeia indiscriminadamente toda uma categoria, mas, ao falar nela e, principalmente, ao escrever, abre lugar para as exceções, os "não-são-todos" e ressalvas hipócritas sortidas. Outros recorrem a gracinhas, como na frase do antigamente famoso escritor Pitigrilli, segundo a qual "as únicas mulheres sérias são minha mãe e a mãe do leitor". No caso presente, decidi que as generalizações feitas hoje excluem todos os leitores, a não ser, evidentemente, os que desejem incluir-se - longe de mim contribuir para aumentar nossa tão falada legião de excluídos.

Antigamente, era muito comum ler ensaios e artigos escritos por brasileiros em que nós éramos tratados na terceira pessoa: o brasileiro é assim ou assado, gosta disso e não gosta daquilo. Em relação a maus hábitos então, a terceira pessoa era a única empregada. O autor do artigo escrevia como se ele mesmo não fizesse parte do povo cuja conduta lamentava. Até mesmo nas conversas de botequim, durante as habituais análises da conjuntura nacional, o comum era (ainda é um pouco, acho que o boteco é mais conservador que a academia) o brasileiro ser descrito como uma espécie de ser à parte, um fenômeno do qual éramos apenas espectadores ou vítimas. Eu não. Talvez, há muito tempo, eu tenha escrito dessa forma, mas devo ter logo compreendido sua falsidade e passei a me ver como parte da realidade criticada. Individualmente, posso não fazer muitas coisas que outros fazem, mas não serei arrogante ou pretensioso, vendo os brasileiros como "eles". Não são "eles", somos nós.

Creio que, feita a exceção dos leitores e esclarecido que estou falando em nós e não em inexistentes "eles", posso expor a opinião de que fica cada vez mais difícil não reconhecer, vamos e venhamos, que somos um povo desonesto. Não conheço as estatísticas de países comparáveis ao nosso e, além disso, nossas estatísticas são muito pouco dignas de confiança. Mas não estou preparando uma tese de mestrado sobre o problema e não tenho obrigação metodológica nenhuma, a não ser a de não falsear intencionalmente os fatos a que aludo e que vem das informações e impressões a que praticamente todos nós estamos expostos.

Claro, choverão explicações para a desonestidade que vemos, principalmente nos tempos que atravessamos, em que a impressão que se tem é de que ninguém é mais culpado ou responsável por nada. Há sempre fatores exógenos que determinaram uma ação desonesta ou delituosa. E, de fato, se é assim, não se pode fazer nada quanto à má conduta, a não ser dedicar todo o tempo a combater suas "causas". Essas causas são todas discutíveis e mais ainda o determinismo de quem as invoca, que praticamente exclui a responsabilidade individual. E, causa ou não causa, não se pode deixar de observar como, além de desonestos, ficamos cínicos e apáticos. Contanto que algo não nos atinja diretamente, pior para quem foi atingido.

Ninguém se espanta ou discute, quando se fala que determinado político é ladrão. Já nos acostumamos, faz parte de nossa realidade, não tem jeito. Alguns desses ladrões são até simpáticos e tratados de uma forma que não vemos como cúmplice, mas como, talvez, brasileiramente afetuosa. Votamos nele e perdoamos alegremente seus pecados, pois, afinal, ele rouba, mas tem suas qualidades. E quem não rouba? Por que todo mundo já se acostumou a que, depois de uma carreira política de uns dez anos, todos estão mais gordinhos e com o patrimônio às vezes consideravelmente ampliado? Como é que isso acontece rotineiramente com prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores, ministros e quem mais ocupe cargo público?

Os políticos, já dissemos eu e outros, não são marcianos, não vieram de outra galáxia. São como nós, têm a mesma história comum, vieram, enfim, do mesmo lugar que os outros brasileiros. Por conseguinte, somos nós. Assim como o policial safado que toma dinheiro para não multar - safado ele que toma, safados nós, que damos. Assim como o parlamentar que, ao empossar-se, cobre-se de privilégios nababescos, sem comparação a país algum.

Em todos os órgãos públicos, ao que parece aos olhos já entorpecidos dos que leem ou assistem às notícias, se desencavam, todo dia, escândalos de corrupção, prevaricação, desvio de verbas, estelionato, tráfico de influência, negligência criminosa e o que mais se possa imaginar de trambique ou falcatrua. E em seguida assistimos à ridícula, com perdão da má palavra, microprisão até de "suspeitos" confessos ou flagrados. A esse ritual da microprisão (ou nanoprisão, talvez, considerando a duração de algumas delas) segue-se o ritual de soltura, até mesmo de "suspeitos" confessos ou flagrados. E que fim levam esses inquéritos e processos ninguém sabe, até porque tanto abundam que sufocam a memória e desafiam a enumeração.

Manda a experiência achar que não levam fim nenhum, fica tudo por isso mesmo, porque faz parte do padrão com que nos domesticaram (taí, povo domesticado, gostei, somos também um povo muito bem domesticado) saber que poderoso nenhum vai em cana. E é claro que, por mais que negue isso com lindas manifestações de intenção e garantias de sigilo (como se aqui, de contas bancárias de caseiros a declarações de imposto de renda, algo do interesse de quem pode ficasse mesmo sigiloso), essa ideia de esconder os preços das obras da Copa tem toda a pinta de que é mais uma armação para meter a mão em mais dinheiro, com mais tranquilidade. Ou seja, é para roubar mesmo e não há o que fazer, tanto assim que não fazemos. Acho que é uma questão cultural, nós somos desse jeito mesmo, ladravazes por formação e tradição.

Portal O Estado de S. Paulo


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2 comentários:

  1. Sonia minha amiga virtual e companheira de idéias. Como brasileira faço as mesmas perguntas, que fez acima, em determinados momentos e penso que a resposta é sim; para mudar de idéia imediatamente em outras ocasiões, acontecimentos e continuar acreditando no contrário.
    Como Educadora jamais devo e posso ter dúvidas a respeito do caráter não só de nós brasileiros como de qualquer ser humano. Pois, a formação que construo junto aos meus educandos é de criticidade sim, de reflexão, da educação para o pensar, para formar verdadeiros cidadãos com valores mínimos para questionar tudo e todos. Para isso procuro despertar neles o que há de melhor no ser humano sem, é claro, levantar questionamentos.
    Enfim, apesar de tudo eu acredito na honestidade da grande massa, do povão que por falta de formação adequada, de direito a cultura e a tantos outros que sabemos, apenas acabam sendo manipulados pelo poderio dos que mandam neste país. Sei lá...posso estar errada e muito.
    Grande beijo querida e parabéns por mais uma excelente postagem...amo vir aqui...devoro tudo que posta.
    Bjs.
    Rosa

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  2. Blogueira do Coração: teu carinho com este espaço aqui e com esta reles blogueira me encanta e emociona. Muitíssimo obrigada. Vocês que leem meus posts acho que já perceberam que estou aqui mais pra fazer "provocações", estimulando questionamentos e reflexões. O artigo do João Ubaldo é bastante pessimista e taxativo sobre o caráter do brasileiro. Mas, cá pra nós, eu também acredito na honestidade do povo, no geral. E tenho muitas razões pra isso. Meu pai e minha mãe, pessoas simples, de pouca instrução, deixaram-me um pequeno patrimônio material, que adquiriram ao longo de mais de 40 anos de trabalho diário e honesto. Outros familiares, amigos, conhecidos, vizinhos igualmente trabalharam muito, honestamente, para auferirem alguma coisa. Há os vagabundos, os oportunistas, os desonestos, claro. Que pretendem subir na vida sem fazer força, por meio de golpes, vigarices e ladroagem. Mas acredito que são apenas uma parcela da sociedade. E só se dão bem por conta da bandidagem nas instituições que deveriam coibir falcatruas. E no Brasil, nós sabemos, isso é gravíssimo. Eu tenho falado disso aqui também ao postar sobre o Judiciário brasileiro. Este, sim, elite da elite, precisa ser fiscalizado, denunciado, democratizado e moralizado. Minha querida, você é sempre bem-vinda aqui, trazendo luzes às discussões com tuas vivências de educadora, blogueira e cidadã sensível e consciente. Grande e carinhoso abraço.

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