Tudo vale a pena, se a alma não é pequena, disse o poeta.
Até onde pude perceber a blogosfera brasileira independente (progressista, para alguns) não deu muita importância à celebração mundial Hora do Planeta/Earth Hour, promovida no sábado pela ong WWF International, que mobilizou mais de um bilhão de pessoas em milhares de cidades pelo mundo.
Durante 60 minutos a iluminação de casas, prédios públicos, estabelecimentos comerciais, empresas e monumentos foi apagada total ou parcialmente, para chamar a atenção da humanidade sobre a gravidade das mudanças climáticas vividas no planeta já há muitos anos, provocando inclusive milhares de vítimas em terremotos, tsunamis, furacões, chuvas torrenciais e outras catástrofes.
Criticada por um colega blogueiro por dar força ao "engodo" do aquecimento global, justifiquei minha adesão ao movimento pela solidariedade ao planeta e aos milhões que sofrem ou sofreram perdas irreparáveis.
Interesses escusos, manipulações de informação e outras mazelas do gênero continuarão existindo, enquanto o ser humano não crescer por dentro, não subir alguns degraus na evolução e não substituir o TER pelo SER. Mas entendo que a existência de mazelas não devem impedir a adesão de qualquer pessoa a um movimento que celebra a defesa da vida, da natureza em toda a sua diversidade e do planeta.
Eu que aqui falo tanto em cidadania ativa. Eu que me apresento aqui no perfil ao lado como adepta do ativismo amplo. Não consigo ver algo positivo na neutralidade, na negação, na não-participação, no não-fazer, no silêncio. No caso desta mobilização mundial pelo bem-estar da Terra.
Ações afirmativas, ainda que ingênuas ou românticas, ainda que eventualmente equivocadas, são o alimento para a alma do verdadeiro ativista. E podem ter pelo menos o poder de chamar a atenção para uma causa justa. E esta, além de justa, é urgente.
Milhões de páginas, bilhões de palavras são diariamente escritas a favor da vida, do amor, da natureza, da democracia... Mas atitudes concretas, ainda que simbólicas, ainda que restritas a um intervalo mínimo de sessenta minutos, mas que poderão ser multiplicadas, reproduzidas exponencialmente nos próximos anos (depende de nós), nos nossos anônimos cotidianos, nas nossas pequenas vidas diárias, não poderão acarretar mudanças significativas no nível global?
Eu que já declarei aqui meu amor aos animais, sei que não "resolve" nada parar o carro, descer, por um pouco de ração na calçada para um cão abandonado. E também não "resolve" nada adotar o cãozinho da rua em vez de comprar um de raça. E continua não "resolvendo" nada se tornar vegetariano. Há muitos interesses inconfessáveis por trás desta questão também. Os animais não deixarão de sofrer no mundo. Não deixarão de ser maltratados, cruelmente assassinados, ferozmente barbarizados de todas as formas. Inclusive nas grandes fazendas de criação e matadouros. Mas a omissão, o virar o rosto, o dar de ombros, o ignorar representariam uma contribuição maior à causa animal?
Solidariedade, compaixão. É disto que se trata. É isto o que move, o que alimenta, muitas vezes, uma alma ativista.
A seguir reproduzo um artigo do teólogo e ambientalista Leonardo Boff que fala destas qualidades humanas.
Compaixão: a mais humana das virtudes
Leonardo Boff*
Três cenas aterradoras: o terremoto no Japão, seguido de um devastador tsunami, o vazamento deletério de gases radioativos de usinas nucleares afetadas e os deslizamentos destruidores, ocorridos nas cidades serranas do Rio de Janeiro, provocaram em nós, com certeza, duas atitudes: compaixão e solidariedade.
Primeiro, irrompe a compaixão. A compaixão talvez seja, entre as virtudes humanas, a mais humana de todas, porque não só nos abre ao outro, como expressão de amor dolorido, mas ao outro mais vitimado e mortificado. Pouco importam a ideologia, a religião, o status social e cultural das pessoas. A compaixão anula estas diferenças e faz estender as mãos às vítimas. Ficarmos cinicamente indiferentes mostra suprema desumanidade, que nos transforma em inimigos de nossa própria humanidade. Diante da desgraça do outro não há como não sermos os samaritanos compassivos da parábola bíblica.
A compaixão implica assumir a paixão do outro. É transladar-se ao lugar do outro para estar junto dele, para sofrer com ele, para chorar com ele, para sentir com ele o coração despedaçado. Talvez não tenhamos nada a lhe dar e até as palavras nos morram na garganta. Mas o importante é estar aí junto dele e jamais permitir que sofra sozinho.
Mesmo que estejamos a milhares de quilômetros de distância de nossos irmãos e irmãs japoneses ou perto de nossos vizinhos das cidades serranas cariocas, o padecimento deles é o nosso padecimento, o seu desespero é o nosso desespero, os gritos lancinantes que lançam ao céu, perguntando, “por que, meu Deus, por que?” são nossos gritos lancinantes. E partilhamos da mesma dor de não recebermos nenhuma explicação razoável. E mesmo que existisse, ela não desfaria a devastação, não reergueria as casas destruídas nem ressuscitaria os entes queridos mortos, especialmente as crianças inocentes.
A compaixão tem algo de singular: ela não exige nenhuma reflexão prévia, nem argumento que a fundamente. Ela simplesmente se nos impõe porque somos essencialmente seres compassivos. A compaixão refuta por si mesma a noção do biólogo Richard Dawkins do “gene egoísta”. Ou o pressuposto de Charles Darwin de que a competição e o triunfo do mais forte regeriam a dinâmica da evolução. Ao contrário, não existem genes solitários, mas todos são inter-retro-conectados e nós humanos somos enredados em teias incontáveis de relações que nos fazem seres de cooperação e de solidariedade.
Mais e mais cientistas vindos da mecânica quântica, da astrofísica e da bioantropologia sustentam a tese de que a lei suprema do processo cosmogênico é o entrelaçamento de todos com todos e não a competição que exclui. O sutil equilíbrio da Terra, tido como um superorganismo que se autoregula, requer a cooperação de um sem número de fatores que interagem entre si, com as energias do universo, com a atmosfera, com a biosfera e com o próprio sistema-Terra. Esta cooperação é responsável por seu equilíbrio, agora perturbado pela excessiva pressão que a nossa sociedade consumista e esbanjadora faz sobre todos os ecossistemas e que se manifesta pela crise ecológica generalizada.
Na compaixão se dá o encontro de todas as religiões, do Oriente e do Ocidente, de todas as éticas, de todas as filosofias e de todas as culturas. No centro está a dignidade e a autoridade dos que sofrem, provocando em nós a compaixão ativa.
A segunda atitude, afim à compaixão, é a solidariedade. Ela obedece à mesma lógica da compaixão. Vamos ao encontro do outro para salvar-lhe a vida, trazer-lhe água, alimentos, agasalho e especialmente o calor humano. Sabemos pela antropogênese que nos fizemos humanos quando superamos a fase da busca individual dos meios de subsistência e começamos a buscá-los coletivamente e a distribuí-los cooperativamente entre todos. O que nos humanizou ontem, nos humanizará ainda hoje. Por isso é tão comovedor assistir como tantos e tantas se mobilizam, de todas as partes, para ajudar as vítimas e pela solidariedade dar-lhes o que precisam e sobretudo a esperança de que, apesar da desgraça, ainda vale a pena viver.
*Leonardo Boff é autor do livro O princípio compaixão e cuidado, Vozes, 2009.
Envolverde
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