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sexta-feira, 18 de março de 2011

Ativistas brasileiros: vidas em risco

Quem lê os textos publicados aqui no ABC! acho que percebe que defendo e estimulo comportamento ativo da cidadania na defesa de direitos e reparação de injustiças, por meio de denúncias, reclamações, indagações, pedidos de esclarecimentos, cobranças, protestos, boicotes etc. etc. Tudo dentro da Lei, do ordenamento jurídico vigente. O próprio nome do blog sintetiza o exercício pleno da cidadania. 

Esta é uma parte. A parte que cabe a cada um de nós, cidadão e cidadã, fazer.

Dias atrás, publiquei o post "Riscos da cidadania ativa", que trata das represálias que o cidadão pode sofrer por ter uma postura mais ativa na sociedade. A questão é complexa.

A presidenta Dilma, em seu programa semanal de rádio, pede que a população denuncie, por exemplo, violência contra a mulher. Mas a denúncia "resolve" tudo, presidenta? As delegacias de polícia têm gente preparada para acolher e dar andamento a tais denúncias? O Judiciário, elitista como é, se postará sempre do lado mais frágil? E se o denunciante tiver o infortúnio de encontrar pela frente a "banda podre" da polícia e do Judiciário, presidenta?

Se nem os ativistas organizados, que muitas vezes atuam em grupo, com maior visibilidade, conseguem obter proteção plena do Estado, como mostra a notícia abaixo, o que dirá simples cidadãos anônimos? Não estarão eles muito mais fragilizados e vulneráveis?

Publico abaixo artigo do site da CartaCapital que aponta justamente os riscos que todos os ativistas corremos.




Políticas frágeis colocam vidas em risco

 

O programa de proteção a ativistas ameaçados patina por falta de verba

A irmã Maria Henriqueta Cavalcante, da Comissão de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), está jurada de morte há dois anos. A religiosa contribuiu para os trabalhos da CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa do Pará, que resultaram na condenação do ex-deputado estadual Luiz Sefer a 21 anos de prisão. Desde então, recebe telefonemas ameaçadores. Em 2009, a missionária recorreu ao Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, mas ainda não recebeu escolta policial.

A irmã Maria faz parte de um grupo de 13 ativistas ameaçados de morte no Pará e com os pedidos de proteção autorizados, mas que ainda não receberam assistência por falta de efetivo policial. “Temos apenas sete militantes protegidos no estado. A falta de estrutura nos impede de garantir a segurança de mais gente”, afirma o defensor público Márcio Cruz, coordenador regional do programa. “A Secretaria de Segurança Pública alega não ter agentes treinados. É preocupante. Diante dos conflitos que temos no Pará, a tendência é a demanda aumentar.”

A trágica situação paraense não é um caso isolado, alertam entidades de direitos humanos. Com um exíguo orçamento de 2 milhões de reais, o programa de proteção não tem conseguido atender à demanda e enfrenta uma série de obstáculos. Um dos principais é a baixa adesão dos governos estaduais, que atuam como parceiros (o governo federal oferece assistência técnica e recursos, enquanto os estados providenciam a escolta policial). Atualmente, apenas sete das 27 unidades federativas estão conveniadas: Pará, Espírito Santo, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os ativistas ameaçados em estados que não firmaram a parceria com a União podem solicitar apoio da Polícia Federal ou da Força Nacional. Mas nem sempre isso ocorre como deveria.

O líder quilombola Manoel Costa, de 35 anos, passou três meses à espera de proteção policial num hotel de Brasília, isolado de sua comunidade do interior do Maranhão. Alvo de conflito fundiário, o quilombo onde vive foi vítima de incêndios criminosos e ataques de pistoleiros. Em outubro de 2010, o colega Flaviano Pinto Neto, de 45 anos, foi executado com sete tiros de pistola 380. Logo em seguida, Manoel abandonou a região. Seria acolhido pelo programa de proteção em meados de dezembro. “À época, o governo federal providenciou agentes da Força Nacional para garantir minha segurança, mas a governadora Roseana Sarney demorou três meses para autorizar o apoio das tropas federais. Minha vida ficou parada por todo esse tempo.”

O programa brasileiro de proteção aos defensores de direitos humanos é considerado pioneiro no mundo. Diferentemente das ações convencionais para testemunhas em risco (como o Provita), nas quais o Estado garante escolta policial e residência segura às vítimas em potencial, esse programa visa dar amparo aos militantes ameaçados no local onde eles atuam politicamente, uma forma de garantir que os líderes de movimentos sociais ou ativistas de direitos humanos possam continuar seu trabalho.

“Nenhum outro país tem um programa semelhante e esperamos levar essa experiência para as Nações Unidas como exemplo a ser seguido”, afirma Maria do Rosário, secretária nacional de Direitos Humanos. O problema, admite a ministra, é o alcance e os recursos limitados. “O atual orçamento nos permite dar assistência apenas aos que estão incluídos no programa, mas a demanda é muito maior.”

De acordo com o governo federal, desde que o projeto foi criado, em 2004, ao menos 240 ativistas foram atendidos e 170 receberam proteção policial. “Entendemos por atendimento não apenas quem recebeu escolta, mas quem teve de se afastar um tempo da cidade e teve a hospedagem paga pelo programa ou quem foi beneficiado com assessoria jurídica”, explica a ministra. Quanto aos ativistas que pediram proteção e não receberam por falta de recursos ou estrutura, Maria do Rosário afirma: “Não temos nenhum levantamento a respeito. Essa situação do Pará não deveria existir. Os estados têm responsabilidades e precisam garantir o efetivo necessário”.

Mesmo quando a proteção depende apenas da União há falhas graves. Em 2009, o advogado e vereador de Itambé (PE) Manoel Mattos foi assassinado. Ele denunciava a atuação de um grupo de extermínio que agia na divisa entre Pernambuco e Paraíba. Por determinação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, recebeu escolta da PF. Mas a proteção foi interrompida um ano antes de ele ser executado. Pior: familiares do ativista continuam ameaçados e sem proteção.

“Chegaram a oferecer escolta da Polícia Militar, mas eu não confio neles, porque o grupo que matou meu filho também era integrado por PMs”, afirma Nair Ávila, mãe de Manoel Mattos e uma das testemunhas no processo. “A PF só dá apoio em alguns deslocamentos, quando tenho de viajar para depor ou votar nas eleições. Mesmo assim, é uma complicação danada. Não pude ir à missa de dois anos da morte do meu filho, em Itambé, por falta de escolta. Alegaram falta de tempo para mobilizar uma equipe.”

Além disso, nem sempre a simples escolta policial é suficiente para garantir a segurança dos ativistas. O presidente da Associação Homens do Mar da Guanabara (Ahomar), Alexandre Anderson de Souza, de 39 anos, afirma sofrer perseguições desde que a comunidade de pescadores passou a se opor à construção de um gasoduto da Petrobras em Magé, confiado ao consórcio GLP Submarino. Em abril de 2009, Souza sofreu um atentado a tiros, mas escapou ileso. Três semanas depois, o tesoureiro da Ahomar, Paulo César dos Santos Souza, foi executado com cinco tiros no rosto. A polícia abriu inquérito, mas ninguém foi preso. Alexandre passou a viver com escolta. Nem por isso se sente seguro. “Ele vive num bairro ermo, suscetível a ataques de pistoleiros. E tem duas famílias, uma ex-mulher com filhos. A escolta pessoal não lhe garante a paz”, diz a advogada Fernanda Vieira, do Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola.

A ministra Maria do Rosário reconhece que o programa precisa ser aprimorado. “Estamos em contato com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, para capacitar agentes da Força Nacional e oficializar o emprego das tropas nessa função. Também negociamos com os governadores para ampliar a cobertura. Além disso, encaminhamos um projeto de lei ao Congresso para transformar o programa, hoje regulamentado com um decreto do ex-presidente Lula, numa política nacional.”

A proposta é bem recebida por organizações de defesa dos direitos humanos. “Se deixar de ser um programa de governo, suscetível às mudanças de gestão ou cortes de recursos, e se transformar numa política pública, com orçamento próprio e metas a serem alcançadas, a chance de o programa cumprir seu papel é bem maior”, afirma Sandra Carvalho, da Justiça Global.

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