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domingo, 20 de março de 2011

Ativismo, vidas em risco e o medo




          Na primeira noite eles se aproximam

          e roubam uma flor

          do nosso jardim.

          E não dizemos nada.

          Na segunda noite, já não se escondem:

          pisam as flores,

          matam nosso cão,

          e não dizemos nada.

          Até que um dia,

          o mais frágil deles

          entra sozinho em nossa casa,

          rouba-nos a luz e,

          conhecendo nosso medo,

          arranca-nos a voz da garganta.

          E já não podemos dizer nada.




Nos anos 70 e 80, época da resistência contra a ditadura, no movimento estudantil, Diretas Já e outras manifestações para derrubar o regime de exceção, estes versos circulavam em camisetas, panfletos, cartazes e outros impressos, atribuídos ao revolucionário poeta russo Vladimir Maiakóvski. Havia também quem os estampasse com a autoria do dramaturgo e poeta alemão Bertold Brecht.

Nem um nem outro.

Os versos revolucionários, que falam do medo e da necessidade de sua superação, são um fragmento do poema "No caminho, com Maiakóvski", escrito por um brasileiro: o poeta fluminense Eduardo Alves da Costa.

Abaixo, a publicação integral.



NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI


Assim como a criança

humildemente afaga

a imagem do heroi,

assim me aproximo de ti, Maiakóvski.

Não importa o que me possa acontecer

por andar ombro a ombro

com um poeta soviético.

Lendo teus versos,

aprendi a ter coragem.



Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.



Nos dias que correm

a ninguém é dado

repousar a cabeça

alheia ao terror.

Os humildes baixam a cerviz:

e nós, que não temos pacto algum

com os senhores do mundo,

por temor nos calamos.

No silêncio de meu quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas amanhã,

diante do juiz,

talvez meus lábios

calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir.



Olho ao redor

e o que vejo

e acabo por repetir

são mentiras.

Mal sabe a criança dizer mãe

e a propaganda lhe destroi a consciência.

A mim, quase me arrastam

pela gola do paletó

à porta do templo

e me pedem que aguarde

até que a Democracia

se digne aparecer no balcão.

Mas eu sei,

porque não estou amedrontado

a ponto de cegar, que ela tem uma espada

a lhe espetar as costelas

e o riso que nos mostra

é uma tênue cortina

lançada sobre os arsenais.



Vamos ao campo

e não os vemos ao nosso lado,

no plantio.

Mas no tempo da colheita

lá estão

e acabam por nos roubar

até o último grão de trigo.

Dizem-nos que de nós emana o poder

mas sempre o temos contra nós.

Dizem-nos que é preciso

defender nossos lares,

mas se nos rebelamos contra a opressão

é sobre nós que marcham os soldados.



E por temor eu me calo.

Por temor, aceito a condição

de falso democrata

e rotulo meus gestos

com a palavra liberdade,

procurando, num sorriso,

esconder minha dor

diante de meus superiores.

Mas dentro de mim,

com a potência de um milhão de vozes,

o coração grita - MENTIRA!


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