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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Machismo, ignorância e tacanhice

Eles "se acham".

Modernos (modernosos), em dia com os avanços da tecnologia, equipados com a mais sofisticada parafernália eletrônica, sua arrogância reina na internet, no Twitter, no Facebook, nas redes sociais todas...

Ditam regras, proferem vereditos, do alto de sua ignorância travestida de sapiência. Não tem pra ninguém.

No entanto, só crescem por fora. A alma pequena e a mente limitada não seguem os adereços tecnológicos. O crescimento interior não acompanha a expansão externa.

Nas profundezas mais recônditas, o preconceito se alastra como um câncer.

E aí, os recursos todos da mais moderna tecnologia eletrônica só servem mesmo para dar vazão às suas indigentes, mesquinhas e tacanhas visões de mundo, à podridão de suas entranhas. Ridicularizações, zombaria, julgamentos apressados e levianos, insinuações maldosas, desdém, menoscabo. Por vezes, ameaças. Explícitas ou dissimuladas.

O preconceito contra a mulher está arraigado em corações e mentes, está disseminado em todos os estratos da sociedade. Até entre os cidadãos que se julgam os mais progressistas.

Conviver, combater, transformar. Um trabalho árduo para qualquer mulher. Presidenta, blogueira ou simples cidadã.

Leiam abaixo artigo de Marcelo Semer, a propósito de mais este desafio que se coloca à Presidenta Dilma e a todas as mulheres.




Reduzir preconceito de gênero não é tarefa fácil para Dilma


 
                                                                                                       Roberto Stuckert Filho/Divulgação
Dilma Rosseff acompanhada de Lula, Marisa, Michel Temer e Marcela Temer na cerimônia de posse



   Dilma Rousseff acompanhada de Lula, Marisa, Michel Temer e Marcela Temer na cerimônia de posse
 
 
Marcelo Semer
De São Paulo (SP)


Dia primeiro de janeiro de 2011, o país assistiu a cena até então inédita: uma mulher recebendo a faixa de presidente da República e passando em revista as tropas militares.

Enquanto o Brasil parava para ouvir o discurso de Dilma, parte dos twitteiros que acompanhavam plugados à cerimônia se deliciava fazendo comentários irônicos e maldosos sobre a primeira vice-dama, Marcela Temer.

Loira, jovem e ex-miss, a esposa de Michel Temer virou imediatamente um trending topic.

Foi chamada de paquita, diminuída a seus atributos físicos e acusada de dar o golpe do baú no marido poderoso e provecto. Tudo baseado na consolidação de um enorme estereótipo: diante da diferença de idade que supera quatro décadas e uma distância descomunal de poder, influência e cultura, só poderia mesmo haver interesses.

Essa é uma pequena mostra do quanto Dilma deve sofrer para romper as barreiras atávicas do preconceito de gênero, ainda impregnadas na sociedade.

Se não fosse justamente pela superação dos estereótipos, aliás, Dilma jamais teria chegado aonde chegou.

Mulher. Divorciada. Guerrilheira. Ex-prisioneira. Quem diria que seria eleita para ser a chefe das Forças Armadas?

Superar estereótipos é o primeiro passo para romper preconceitos.

O exemplo de Lula mostrou, todavia, como sua tarefa não será fácil.

O país aprendeu a conviver com a sapiência de um iletrado retirante, mas os preconceitos regionais e o ódio de classe não se esvaziaram tão facilmente. A avalanche das "mensagens assassinas", twitteiros implorando por um "atirador de elite" na posse, só comprova o resultado alcançado pelo terrorismo eleitoral.

Dilma sabe dos obstáculos a vencer e é por este motivo que iniciou seu discurso enfatizando o caráter histórico do momento que o país vivia, fazendo-se de exemplo para "que todas as mulheres brasileiras sintam o orgulho e a alegria de ser mulher".

Em dois discursos recheados de assertivas e recados, não faltou uma lembrança emocionada a seus companheiros de luta contra a ditadura, que tombaram pelo caminho.

Mais tarde, receberia pessoalmente suas ex-colegas de prisão. Não esqueceu das "adversidades mais extremas infligidas a quem teve a ousadia de enfrentar o arbítrio". Não se arrependeu da luta, justificando-se nas palavras de Guimarães Rosa: a vida sempre nos cobra coragem.

Mas, mulher, adverte Dilma, não é só coragem, é também carinho.

É essa mulher, misto de coragem e carinho, que seu exemplo espera libertar do jugo de uma perene discriminação.

Discriminação que torna desiguais as oportunidades do mercado de trabalho, que funda a ideia de submissão, e que avoluma diariamente vítimas de violência doméstica, encontradas nos registros de agressões corriqueiras e no longo histórico de crimes ditos passionais, movidos na verdade por demonstrações explícitas de poder, orgulho e vaidade masculinas.

Temos um longo caminho pela frente na construção da igualdade de gênero.

Nossos tribunais de justiça são predominantemente masculinos, porque os cargos de juiz foram explícita ou implicitamente interditados às mulheres durante décadas. Houve quem justificasse o fato com as intempéries da menstruação e quem estipulasse que professora era o limite máximo para a vida profissional da mulher.

Nas guerras ou ditaduras, as mulheres, além dos suplícios dos derrotados, ainda sofrem com freqüência violências sexuais, que simbolicamente representam a submissão que a vitória militar quer afirmar.

Mulheres são maioria nas visitas semanais de presos. Mas quando elas próprias são encarceradas, as filas nas penitenciárias se esvaziam. Com muito sofrimento e demora, sua luta é para garantir os direitos já conferidos a presos homens.

Sem esquecer as incontáveis mulheres de triplas jornadas, discriminadas pela condição quase servil de dona de casa, que se obrigam a cumular com suas tarefas profissionais e maternas.

Que a posse de Dilma ilumine esse horizonte ainda lúgubre de preconceito, no qual os estereótipos da mulher burra, submissa e instável, predominam na sociedade.

E que, enfim, possamos aprender, com as mulheres, a respeitar sua igualdade e suas diferenças.

Pois, como ensina Boaventura de Sousa Santos, elas, mais do que ninguém, podem dizer:

"Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza".

Façamos, assim, de 2011, um ano mulher.

Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

Portal Terra/05.01.11



2 comentários:

  1. Sônia, acho que me senti em casa no teu blog. A título de colaboração, quando tiver um tempo, visite-me.http://joaoclaudioam.blogspot.com/2010/08/ode-as-mulheres.html
    Acho que não sou exagerado, né? Mas em 2011 poderíamos prenunciar um mundo mulher??
    Abraços!

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  2. Que bom que você se sente em casa no ABC! Este não é propriamente um blog feminista, mas humanista. Mas acreditamos que 2011 será sim um Ano Mulher. Já visitei teu blog. E o farei outras vezes com prazer. Abraços.

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